11ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Rio de Janeiro

Autos nº 99.0042.597-0
Autora: Empresa Brasileira de Terraplanagem e Engenharia S/A – EBTE
Réus: União / Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN
Juiz: Fábio Cesar dos Santos Oliveira

Sentença : Tipo A
Vistos os autos.

I – RELATÓRIO

Empresa Brasileira de Terraplanagem e Engenharia S/A (EBTE), qualificada na petição inicial de fls. 02/19, propõe ação, sob o rito comum ordinário, com requerimento de antecipação dos efeitos da tutela, em face da União e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para que seja: i) declarado o direito de a demandante construir em área denominada Complexo Marina-Rio (Marina da Glória), situada na parte setentrional do Parque do Flamengo, onde um farol assinala a sua entrada, possuindo um canal de acesso que apresenta uma profundidade média de 4,5m (quatro metros e cinquenta centímetros), localizada em terreno acrescido de marinha, com área de 65.500 m2 (sessenta e cinco mil e quinhentos metros quadrados), dentro de limites expressos, delimitados em contrato celebrado com o Município do Rio de janeiro (fls. 47/67), da porção maior de 105.890m2 (cento e cinco mil e oitocentos e noventa metros quadrados), a qual se localiza ao sul da Enseada da Glória, medindo 270 (duzentos e setenta) metros, a partir do espigão da Praia do Flamengo em direção à Avenida Infante Dom Henrique, 274 (duzentos e setenta e quatro) metros seguindo alinhamento que faz ângulo interno de 140o (cento e quarenta graus) e segue em direção ao mar, em curvas com desenvolvimento total de 1.309 (um mil, trezentos e nove metros) acompanhando a linha de entroncamento até o ponto inicial, que se situa a menos de 100 (cem) metros da atual orla marítima e a menos de 1.320 (um mil, trezentos e vinte) metros de distância do Aeroporto Santos Dumont, com área molhada de 12 hectares; ii) declarada a impossibilidade de o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) decretar o polígono destinado à Marina da Glória como área non aedificandi, subordinada a construção na área ao zoneamento municipal.

02. Sustenta, como causa de pedir, que: i) a área correspondente ao Parque do Flamengo foi tombada pela União, tendo sido editado o Decreto n. 83.661, de 02 de julho de 1979, que concedeu ao Município do Rio de Janeiro a concessão de área aforada para construção de um complexo turístico, designado como “Marina -Rio”; ii) o Decreto n. 83.661, de 02 de julho de 1979, teria desconstituído o tombamento da área, no entanto, a despeito de tal fato, a parte autora, vencedora em processo de licitação para exploração comercial, gestão administrativa e revitalização do Complexo Marina da Glória, submeteu seu projeto à apreciação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por considerar que a área é vizinha lindeira de coisa tombada (Parque do Flamengo); iii) que o Conselho da autarquia federal rejeitou o projeto apresentado, considerando non aedificandi todos os terrenos cuja ocupação não tivessem sido previstas no plano original dos arquitetos Affonso Eduardo Reidy e Roberto Burle Marx; iv) a declaração de que a referida área como non aedificandi impossibilita sua exploração, o que implica o pagamento de indenização; v) a decisão do Conselho do Iphan implica a desapropriação do bem, sem que tenha sido observado o devido processo legal; vi) que o polígono destinado à Marina da Glória não detém conteúdo artístico, histórico ou cultural em seus limites, o que infirmaria a decisão da autarquia federal.

03. Guia de recolhimento de custas, à fl. 20. Documentos carreados aos autos às fls. 21/24, 26/166. Instrumento particular de mandato, de fl. 25.

04. Juntada de matéria jornalística e de cópia de processo administrativo para cessão da área às fls. 168/252. Cópia de processo administrativo 01/001185/99, instaurado pela Secretaria de Assuntos Especiais da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, colacionada às fls. 255/277.

05. Decisão, proferida à fl. 278, na qual determinou-se que a parte autora retificasse o pólo passivo da demanda a fim de promover a inclusão do Iphan e a subseqüente comunicação à Superintendência Regional da autarquia para prestar informações.

06. Emenda da peça vestibular, à fl. 280.

07. Decisão, proferida às fls. 286/289, na qual foi deferida a antecipação dos efeitos da tutela para autorizar a demandante a realizar construção nos termos requeridos na alínea “a”, de fl. 17.

08. Comunicação de interposição de recurso de Agravo de Instrumento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, às fls. 293/312.

09. Ofício expedido pelo Exma. Sra. Desembargadora Federal Dra. Maria Helena Cisne Cid, em que se informa o deferimento parcial de efeito suspensivo ao recurso de Agravo de Instrumento até que viesse aos autos o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA (fls. 319/321).

10. Ofício expedido por este Juízo para comunicar a manutenção da decisão agravada (fl. 323).

11. Contestação apresentada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, às fls. 327/340, na qual sustenta que: i) a área denominada Parque do Flamengo foi tombada em 1965, por meio do processo administrativo n. 748-T-64, por solicitação do então Governador do Estado da Guanabara; ii) que o tombamento promovido, consoante decisão do Conselho do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, em 44a reunião, compreendeu não só os terrenos e construções representadas na planta anexa ao processo n. 748-T-64, como também a área marítima de até cem metros da praia, em toda a extensão do parque, a fim de evitar ali construções que possam sacrificar a beleza do conjunto tombado; iii) que a decisão que rejeitou o projeto apresentado pela demandante quanto à exploração comercial da área foi precedida por estudos técnicos da Divisão de Estudos de Acautelamento do Departamento de Proteção, seguindo-se a apresentação destes na 16a reunião do Conselho do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, realizada em novembro de 1998, na qual decidiu-se reiterar “posição a favor do tombamento voluntário, em 1965, do Plano do Parque do Flamengo de autoria de Affonso Eduardo Reidy (urbanismo e arquitetura) e Roberto Burle Marx (paisagismo), de forma a que sejam considerados non aedificandi todos os terrenos cuja ocupação não tenha sido prevista no referido Plano”, reafirmando-se, pois, o aprovado por aquele Colegiado em sua 134a reunião, em 19 de agosto de 1988; iv) a impossibilidade de ser paga indenização em razão da declaração da área como non aedificandi, porquanto o terreno aludido pertence à União, ainda que cedido ao Município do Rio de Janeiro, e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan é uma autarquia federal; v) existe contradição em caracterizar o ato como desapropriação, eis que o bem integra o patrimônio da União; vi) o decreto presidencial de concessão da área não pode ser interpretado como desconstituição do tombamento efetuado, o qual exigiria obediência a rito legal específico; vii) a execução de intervenções arquitetônicas nas áreas especialmente submetidas à proteção do Decreto-Lei n. 25/37 exige a autorização prévia do Iphan, independentemente do teor de posturas municipais; viii) a perda da eficácia do Decreto n. 83.661/79, eis que não observado o prazo, previsto em seu art. 4o, para a construção do Complexo Marina Rio; e ix) o Município não teria poderes para fazer licitação para exploração da área, o que torna o certame nulo.

12. Instrumento de mandato, de fl. 341. Documentos carreados aos autos às fls. 342/379.

13. Contestação apresentada pela União, às fls. 381/385, na qual argúi sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo do feito. Quanto ao mérito, assevera que: i) não houve doação do polígono ao Município do Rio de Janeiro, mas autorização presidencial, veiculada pelo Decreto n. 83.661/79, para que o Serviço do Patrimônio da União realizasse a cessão do bem ao Município, sob o regime de aforamento; ii) as transformações na área devem obedecer às diretrizes fixadas pelo Decreto-Lei 25/37; iii) a proteção da área do Parque do Flamengo abrange os terrenos e construções nele feitas, bem como a área marítima de até cem metros de praia em toda a extensão do parque.

14. Manifestação em réplica, às fls. 391//402. Documento de fl. 403.

15. Requerimento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, à fl. 406, quanto à produção de prova pericial. Requerimento do demandante, à fl. 408, para que haja oitiva do representante legal do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan e seja deferida a produção de prova pericial. A União não requereu a produção superveniente de provas.

16. Decisão, de fl. 410, na qual foi indeferido o requerimento para depoimento pessoal do representante legal do Iphan e deferidos os requerimentos para produção de prova pericial e documental suplementar.

17. Quesitos apresentados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, às fls. 412/413. Quesitos formulados pelo postulante, às fls. 415/417.

18. Parecer DEPRT/Iphan/RJ /nº 051/98, juntado às fls. 418/439.

19. Ofício expedido pelo Exmo. Sr. Desembargador Federal Dr. Paulo Barata, presidente da Terceira Turma do E. Tribunal Federal da 2a Região, para comunicar o não provimento do recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan (fl. 444).

20. Comunicação de descumprimento de ordem judicial (fls. 446/448).

21. Nomeação pelo Juízo do Dr. Luiz Cláudio Paiva Franco como perito.

22. Manifestação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, às fls. 455/457, na qual assinala que a parte autora está promovendo a execução de projeto diverso daquele informado na peça vestibular.

23. Despacho, de fl. 492, na qual foi deferida vista dos autos ao Município do Rio de Janeiro.

24. Manifestação da parte autora, às fls. 497/498.

25. Manifestação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, às fls. 502/504, na qual reitera que a demandante está executando projeto diverso daquele apresentado na peça vestibular.

26. Manifestação da demandante, às fls. 511/513, na qual afirma que não houve construção de novo restaurante na área discutida. Documento juntado às fls. 514/519.

27. O Município do Rio de Janeiro, às fls. 521/522, informou a realização de consulta aos seus órgãos para afirmar se, no âmbito municipal, o projeto elaborado pela autora atende os interesses municipais de preservação da área. À fl. 525, o Município do Rio de Janeiro assevera que “a autora ainda não apresentou projeto de modificação da área junto aos órgãos competentes municipais, conforme determina o §1o, da Lei n. 2.287/95 e a cláusula 1.5.1 do Contrato de Concessão”. Documentos juntados às fls. 526/529.

28. Manifestação da parte autora e documentos, às fls. 531/535.

29. Decisão, proferida às fls. 536/537, na qual foi fixado o valor dos honorários a serem pagos ao perito.

30. O Município do Rio de Janeiro, à fl. 545, afirma que recebeu projeto para exploração da Marina da Glória, através de carta datada em 29 de outubro de 1999, o qual, em 03 de junho de 2003, ainda era objeto de apreciação pelos órgãos municipais competentes.

31. Solicitações feitas pelo perito para correta execução do seu mister, às fls. 558/561.

32. Documentos juntados pela parte autora às fls. 569/575.

33. Laudo pericial colacionado aos autos às fls. 579/607.

34. Críticas ao laudo pericial pela Empresa Brasileira de Terraplanagem e Engenharia S/A (fls. 612/619).

35. Parecer do Ministério Público Federal, da lavra do Dr. Maurício Andreiuolo Rodrigues, opinando-se pela improcedência do pedido (fls. 615/617).

36. Cópia do acórdão prolatado em julgamento do recurso de Agravo de Instrumento n. 2000.02.01.008668-3, carreada aos autos às fls. 625/629.

37. Manifestação da parte autora, às fls. 632/637. Documentos de fls. 638/662.

38. Designada audiência especial em despacho exarado à fl. 663.

39. Juntada de matérias jornalísticas às fls. 668/669.

40. Manifestação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, às fls. 674/679.

41. Manifestação da União, às fls. 685/688.

42. Despacho, exarado à fl. 688-v, para determinar que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan fosse intimado para manifestar-se sobre laudo pericial e para que o Ministério Público Federal tomasse ciência da data designada para audiência.

43. Críticas ao aludo pericial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, às fls. 692/696, tendo sido juntada a manifestação original às fls. 702/706.

44. Ata da Audiência especial realizada em 29 de agosto de 2006, às fls. 699/700, tenso sido infrutífera tentativa de transação judicial.

45. Indeferido requerimento, de fl. 708, para apresentação de novas alegações finais pela Empresa Brasileira de Terraplanagem e Engenharia S/A, porquanto a obrigatoriedade destas está restrita às hipóteses dos arts. 326 e 327, do Código de Processo Civil.

46. É o Relatório. Passo a decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO PRELIMINAR

II. 1 – DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO

47. A União argúi não deter legitimidade para figurar no pólo passivo do feito, porquanto o pedido formulado na presente demanda teria como supedâneo discussões quanto à proteção do patrimônio artístico e histórico nacional, cujo conteúdo estaria destacado na atuação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, enquanto autarquia federal. A preliminar suscitada não merece, porém, ser acolhida, eis que a parte autora apresenta como fundamentação jurídica ao seu pedido a doação de terreno de marinha, consubstanciado no polígono denominado Marina da Glória, ao Município do Rio de Janeiro, bem como à desconstituição do tombamento do bem imóvel pelo Decreto n. 83.661, de 02 de julho de 1979.

48. Destarte, sendo a propriedade do terreno questão prejudicial ao deslinde da demanda, capaz de atingir o interesse jurídico da União, faz-se mister a sua inclusão no pólo passivo da ação (art. 3o, do Código de Processo Civil).

49. Rejeito, pois, a preliminar de ilegitimidade passiva da União.

50. Ultrapassado exame das questões prévias, passo à análise do mérito.

MÉRITO

II. 2 – DA CONCESSÃO DE USO

51. O domínio da União sobre os terrenos de Marinha remonta, no período republicano, ao art. 64, da Constituição de 1891, o qual positivou norma reprisada no art. 20, VII, da Carta Política vigente. Compulsando-se os autos, observa-se que, ao pretender construir o complexo turístico Marina – Rio, o Município do Rio de Janeiro, promoveu consulta ao Serviço de Patrimônio da União (fls. 198/199), ante a dicção expressa do art. 36, do Decreto-Lei n. 3.438, de 17 de julho de 1941, que preconizava: “A Prefeitura do Distrito Federal utilizará os acrescidos de marinha resultantes de aterros que tenha realizado ou venha a realizar, empregando para logradouros públicos os que tiver por convenientes, e preparando outros para que possam receber construções, em execução de planos urbanísticos”. Submetido o projeto à apreciação do Secretário-Geral do Serviço do Patrimônio da União, em 15 de fevereiro de 1979, foram declinados os seguintes pontos:

“A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro pleiteia, ut Ofício GBP/n. 387 de 16.v.77, seja-lhe cedido o terreno de acrescidos de marinha, com 105.890,00 m2, situado no Parque do Flamengo, na Cidade do Rio de Janeiro, RJ.

Destina-se a área almejada à construção, por aquela Municipalidade, de um complexo turístico, denominado Marina-Rio, a ser explorado, logo que concluído, pela Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro – Riotur S.A (fls. 1/2, 16 e 19/20).

O terreno de que se trata, com ser constituído por acrescido de marinha, pertence à União Federal, em face do disposto nos artigos 1o, a e 3o do Decreto-lei n. 9.760 de 5.IX.1946.

Consultados a respeito as autoridades, na forma do artigo 100 do citado Decreto-lei n. 9.760, de 1946 (fls. 5/8), nada opuseram à pleiteada cessão (fls. 10/15 e 17). A D.S.P.U-RJ, opina favoravelmente, ut fls. 33.

Em se tratando de empreendimento de interesse público e turístico, opina este serviço pela expedição de decreto, em que se autorize, com fulcro no Decreto-lei n. 178 de 16.II.1967, a cessão, sob o regime de aforamento, de terreno de que se trata, isentando-se, porém, o cessionário do pagamento do preço correspondente ao valor do domínio útil do mesmo, bem como dos foros, enquanto lhe estiver aforado dos laudêmios, nas transferências que vier a efetuar.” (grifos meus)

52. Concluído o trâmite administrativo federal, foi editado o Decreto n. 83.661, de 02 de julho de 1979, cujos artigos 1º, 2º, 3º, e 4º dispõem, in verbis:

Art. 1º – Fica o Serviço do Patrimônio da União autorizado a promover a cessão, sob o regime de aforamento, ao Município do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, do terreno de acrescidos de marinha, com a área de 105.890,00m² (cento e cinco mil, oitocentos e noventa metros quadrados), situado no Parque do Flamengo, naquele Município, de acordo com os elementos constantes do processo protocolizado no Ministério da Fazenda, sob o nº 0768-19.122, de 1977.

Art. 2º – O terreno a que se refere o artigo 1º destina-se à construção, pelo cessionário, do complexo Marina-Rio, no prazo de 2 (dois) anos, a contar da data da assinatura do contrato de cessão, a lavrar-se em livro próprio do serviço do Patrimônio da União.

Art. 3º – Ficará o cessionário isento do pagamento do preço correspondente ao valor do domínio útil do terreno e dos respectivos foros, enquanto lhe estiver o mesmo aforado, bem como dos laudêmios, nas transferências que vier a efetuar.

Art. 4º – A cessão tornar-se-á nula, independentemente de ato especial, sem direito o cessionário a qualquer indenização, inclusive por benfeitorias realizadas, se ao terreno, no todo ou em parte, vier a ser dada destinação diversa da prevista no artigo 2º deste Decreto, se inobservado o prazo nele fixado ou, ainda, se ocorrer inadimplemento de cláusula contratual.

53. Da leitura dos dispositivos transcritos não é possível extrair-se interpretação segundo a qual a União tenha doado “a área de 105.890,00m² (cento e cinco mil, oitocentos e noventa metros quadrados), situado no Parque do Flamengo, naquele Município, de acordo com os elementos constantes do processo protocolizado no Ministério da Fazenda, sob o nº 0768-19.122, de 1977” (art.1º). O art. 1º, do Decreto n. 83.661, de 02 de julho de 1979, faz referência inequívoca à cessão do terreno, sob regime de aforamento, impondo-se, outrossim, lapso temporal para que fosse adimplida a obrigação do cessionário em construir o complexo Marina-Rio no prazo de dois anos, a contar da assinatura do contrato de cessão, a qual seria declarada nula (rectius: perderia eficácia) se fosse imprimida finalidade diversa ao terreno, inobservado o prazo fixado pelo art. 2o ou fosse demonstrada a inobservância de cláusula contratual (art. 4o, do Decreto n. 83.661/79).

54. Ao sustentar que o referido Decreto n. 83.661, de 02 de julho de 1979, teria promovido a doação do terreno aludido, constata-se a apresentação de tese que não encontra qualquer supedâneo no sentido literal possível extraído dos dispositivos referidos e tampouco no substrato teleológico-objetivo das regras veiculadas, uma vez que, além de ser patente a inviabilidade de transferência de bem constitucionalmente confiado ao patrimônio da União por decreto presidencial, não se dessume do processo administrativo – aberto por ocasião de requerimento feito pelo Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro – a intenção de transferir a área para o domínio da municipalidade com a alienação de todas as faculdades inerentes à propriedade.

55. A ilação acima apresentada, que afasta a errônea premissa em que se escora o raciocínio deduzido na peça vestibular, é confirmada pelo exame do contrato de cessão, sob regime de aforamento, celebrado pelo Município do Rio de Janeiro e a União (fls. 248/249), em 22 de março de 1984, cujas cláusulas sétima e oitava (fl. 249) estipulam:

“CLÁUSULA SÉTIMA – que a Cessão de que trata o presente Contrato tornar-se-á nula independentemente de ato especial, revertendo o imóvel ao patrimônio da União Federal, sem direito o Outorgado Cessionário a qualquer indenização, inclusive por benfeitorias realizadas, nos seguintes casos: a) se ao imóvel, no todo ou em parte vier a ser dada utilização diversa da que lhe foi destinada; b) se houver inobservância do prazo previsto no decreto autorizativo da Cessão; c) se ocorrer inadimplemento de cláusula deste Contrato.

CLÁUSULA OITAVA – que, finalmente, o Outorgado Cessionário deverá: a) obter o prévio assentimento do Serviço do Patrimônio da União, para transmissão do domínio útil do terreno, sob pena de nulidade (D.L n. 9.760/46, art. 102)”

56. Nos autos inexiste prova de que o Município do Rio de Janeiro, em cumprimento ao art. 2o, do Decreto n. 83.661, de 02 de julho de 1979, tenha construído, no prazo de dois anos a contar da assinatura do contrato de cessão, sob regime de aforamento, de 22 de março de 1984, o complexo Marina-Rio (art. 2o, do Decreto n. 83.661, de 02 de julho de 1979). Contudo, sendo desnecessário o pronunciamento deste Juízo sob a vigência da referida cessão, ainda que em obter dictum, basta que reste assente a inexistência de doação do bem imóvel aludido ao Município do Rio de Janeiro.

II.3 – DO TOMBAMENTO

57. O processo administrativo 748-T-64, instaurado para o tombamento do Parque do Flamengo, teve início por solicitação do Governador da Guanabara Carlos Lacerda, angariando apoio do Grupo de Trabalho para a Urbanização do Aterro. Apresentado o pleito ao Conselho do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, a diretoria da autarquia redigiu o seguinte parecer: “Para tomar conhecimento direto com o assunto, fui procurar a Dra. Carlota Macedo Soares nos escritórios do Grupo de Trabalho do Aterro e examinei in loco maquettes, projetos, fotografias, etc., que reforçaram minha opinião de certo da medida desejada pelo Governador. O projeto urbanístico e arquitetônico de Afonso Eduardo Reidy e sua equipe e os jardins de Roberto Burle Marx formam um conjunto de grande beleza e interesse social de que muito pode orgulhar-se a cidade do Rio de Janeiro, e que deve ser preservado, não só para que não seja alterado seu traçado pelas administrações futuras, como para ser convenientemente conservado.

O perigo maior consiste na inclusão futura na área ajardinada de pavilhões de diversões, restaurantes, cinemas e quejandas edificações, como assim bustos de figuras nacionais, etc. -, inclusão que tendo a justificá-la o interesse prático e cívico das iniciativas poderá sacrificar irremediavelmente a beleza do conjunto. Os pavilhões erguidos ou por erguer no Aterro, já representam, a meu ver, o máximo que a Área comporta e podem justificar-se menos pela sua finalidade prática do que em razão de conferirem escala urbanística ao conjunto, mas mesmo esta será sacrificada se não houver contenção na distribuição dos valores que a determinaram. Por tudo isso a idéia do Tombamento me parece a única capaz de preservar esse valores. (…)”

58. Submetido o requerimento à apreciação do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em sua quadragésima quarta reunião, realizada em 20 de abril de 1965, este foi aprovado nos seguintes termos (fls. 349/350):

“De acordo com o voto do Relator, o Conselho deliberou, unanimemente, atender ao requerimento do Governador do Estado da Guanabara e providenciar a inscrição no Livro do tombo Paisagístico, da área denominada Parque do Flamengo, na cidade do Rio de Janeiro, compreendendo não só os terrenos e construções representadas na planta anexa ao processo n. 748-T-64, mas também a área marítima até cem metros da praia, em toda extensão do parque, a fim de evitar ali construções que possam sacrificar a beleza do conjunto tombado.”

59. A parte autora sustenta que o tombamento do polígono correspondente à Marina da Glória teria sido revogado pelo Decreto n. 83.661, de 02 de julho de 1979, que promoveu a cessão do terreno, sob o regime de aforamento ao Município do Rio de Janeiro. Vale, no entanto, consignar que, conquanto o Decreto-Lei n. 25/37 restrinja a revogação do tombamento ao posicionamento favorável do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional à impugnação ou recurso apresentado contra decisão de tombamento do bem (art. 9o), foi acrescida hipótese distinta no artigo único do Decreto-Lei n. 3.866/41, que preconiza que “O Presidente da República, atendendo a motivos de interesse público, poderá determinar, de ofício ou em grau de recurso, interposto pôr qualquer legítimo interessado, seja cancelado o tombamento de bens pertencentes à União, aos Estados, aos municípios ou a pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, feito no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de acordo com o decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937”.

60. A possibilidade de o Presidente da República proceder à revogação do tombamento de ofício, atendendo a motivos de interesse público, não se coaduna com o texto do Decreto n. 83.661, de 02 de julho de 1979. De fato, a cessão da área para a construção do Complexo Marina-Rio (art. 2º) em nada se contrapõe à restrição ao domínio de imóvel, configurada pelo tombamento, integrante do patrimônio da própria União. A assunção da tese apresentada pela demandante implicaria, a fortiori, a seguinte possibilidade: não construído o complexo Marina Rio no prazo de dois anos imposto pelo art. 2o, do Decreto n. 83.661/79, a cessão estaria finda e o bem retornaria às limitações inerentes ao tombamento, o que ignora a finalidade precípua da restrição em proteger o patrimônio histórico e artístico nacional.

61. Outrossim, a condenação do ente que promove o tombamento ao pagamento de indenização é restrita às hipóteses em que a limitação ao bem de particular tenha o condão de impedir o proprietário do exercício de todos os poderes inerentes ao domínio, resultando em efeito próprio à desapropriação (cf. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 12ª edição, São Paulo: Atlas, 2000, p. 132). Na presente hipótese, o polígono da Marina da Glória integra o patrimônio da União, sendo manifesto truísmo discutir possível indenização sobre limitação decorrente de tombamento sobre bem da União a ser paga com recursos dos cofres públicos federais.

62. As restrições parciais inerentes ao tombamento autorizam o uso do bem de modo não divergente aos deveres de preservação impostos em favor da proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Da leitura dos documentos que instruem os presentes autos, não se verifica a adoção de posicionamento intransigente da autarquia federal quanto à exploração comercial da Marina da Glória. Para tanto, transcrevo excerto de cuidadoso parecer elaborado pela arquiteta Cláudia M. Girão Barroso, Chefe da Divisão de Estudos de Acautelamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, acostado às fls. 351/366 dos autos:  “Observado o parecer do Conselheiro e a planta do plano original do Parque do Flamengo (…), verificamos que, além de agenciamentos tais como caminhos e grandes canteiros de jardins definidos pelo traçado, o Plano original estabelecia para a área junto à enseada da Glória:

– “pista do trenzinho” 9n. 10);

– “grandes aquários e peça d´água para plantas aquáticas” (nº16);

– “gaiolas de pássaros” (nº 15);

– “grande ripados – alojamentos (encarregados)” (nº 14);

– “rock-garden” (nº 18);

– “marinas” ou píeres de atracação (nº 17);

– dois itens constantes da planta do Plano original, não enumerados no parecer de tombamento de Paulo Santos (nº 48 e 49), parecendo tratar-se de organização do programa.

Conforme previra Paulo Santos, as mais diversas propostas se sucederam. O projeto “Centro de Recreação Cultural”, elaborado em 1969 por Roberto Burle Marx e Ivo Penna com ampliação do programa previsto (…), não é executado. Em julho de 1976, é aprovado pela SPHAN o projeto do pavilhão-sede da Marina, do arquiteto Amaro Machado (…), com proposta de instalação de 6 pieres, reduzidos para 4, e a área onde se previa a implantação dos aquários e dos ripados é remanejada por Burle Marx por iniciativa do Prefeito Marcos Tamoyo. O programa aprovado para a sede inclui lanchonete, mini-mercado, bar, hangar e boxes (1º pavimento) e 6 lojas, área de administração, vestiário e escola de velas (2º pavimento). O pavilhão é implantado em talude de modo a se nivelar sua cobertura à cota do Parque neste trecho, para não ser visível a partir das autopistas do Aterro e se integrar à paisagem sem se constituir em interferência visual. Executa-se a obra com alguns poucos agenciamentos.

Oito anos mais tarde, uma área de 105.890,00 m2 é cedida à Prefeitura do Rio de Janeiro sob regime de aforamento: o contrato assinado em 22 de março de 1984 pelo Presidente da República, João Baptista de Figueiredo, destina a área ao desenvolvimento e expansão das atividades da Marina. Três anos depois, são autorizadas pela 6ª CR obras de reforma interna no pavilhão-sede da Marina (…), incluindo lojas cujo funcionamento fora permitido pela Riotur: “Nada temos a opor uma vez tenha a referida área, os mesmos detalhes de acabamento das lojas ora existentes”. A autorização inclui:

– 11 lojas (75,00m2) para instalação de comércio e serviços ligados à área náutica;

– depósito, estação de radiocomunicação, tanques de mergulho e estacionamento de barcos”.

No mesmo ano, Burle Marx é novamente convocado pela Prefeitura – desta vez pela Riotur – para, juntamente com o escritório de arquitetura Garcia Roza, “revitalizar a Marina da Glória, ofertando o espaço para as atividades náuticas para estímulo à iniciativa privada (Estaleiros de Barcos de Lazer)”. Embora a área ainda permanecesse pública, na enseada da Glória estavam dados os primeiros passos no sentido de distanciamento de “uma obra que tem como finalidades a proteção à paisagem, e um serviço social para o grande público” que “obedece a critérios ainda muito pouco compreendidos pelas administrações e pelos particulares”, conforme alertara Drª. Lota Macedo Soares. O projeto de Burle Marx denominado “Centro Cultural da Glória” é apresentado em novembro de 1987 na 131ª Reunião do Conselho Consultivo do Iphan. (…)

A questão prolonga-se por mais de um ano, pois são quatro os projetos em exame respeitantes ao Parque, todos relatados pelo Conselheiro Gilberto Ferrez na 134ª Reunião do Conselho Consultivo, em 19 de agosto de 1988. Mencionando os objetivos do tombamento, em parecer aprovado por unanimidade pelo Conselho, o emérito Conselheiro conclui, com relação à proposta para a enseada da Glória: “Centro Cultural da Glória: projetos de Burle Marx, localizados por trás da Marina, constando de: Aquário, Umbráculo, Auditório, Circo Aquático, Restaurante.

Somos favoráveis aos três primeiros por fazerem parte do projeto inicial sendo que, no umbráculo, sugiro a diminuição da altura dos ripados. Quanto ao restaurante já existem dois no parque e ambos em dimensão compatível (…). Com relação ao circo aquático, considero desaconselhável alguma coisa fora do previsto no projeto original.

Quanto à Marina, julgo necessário terminar com a sua privatização, que impede a livre utilização pelo público e, bem assim, limitar os locais de comércio – concessão dada pela Riotur, conforme informação da Secretaria municipal de Fazenda, Departamento de Patrimônio.

Para finalizar, sugiro que as construções previstas no projeto original, toda a área do parque seja definida como non aedificandi. Decorridos vinte e três anos do tombamento, o Conselho Consultivo não somente aprova com restrições o “Centro Cultural da Glória”, na enseada da Marina, como resolve que, à exceção das construções já autorizadas pela SPHAN e previstas no Plano original, toda a área do parque é considerada non aedificandi. A resolução é reputada pelo Presidente do Egrégio Conselho como “uma das votações históricas quanto ao Parque do Flamengo” e tem efeito imediato sem necessidade de qualquer outra medida, por se tratar de área de domínio público. Estava presente na reunião o Presidente da Fundação Parque do Flamengo, Lúcio Abreu, da Prefeitura do Rio. (…) Não obstante, esse projeto de 1988 não é executado. Permanecem na área o pavilhão-sede da Marina da Glória, com administração, depósitos e lojas, uma delas transformada em restaurante, e agenciamentos como ancoradouro, píeres de atracação, estação de radiocomunicação, tanques de mergulho e estacionamentos de carros e de embarcações. Uma área contígua à que fora cedida para a expansão da Marina, onde funcionava um horto para reposição de espécies vegetais, é ocupada em caráter precário por setores municipais: Rioluz, Comlurb, Guarda Municipal. (…)

63. Traçado o escorço histórico das diretrizes seguidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional não se vislumbra qualquer indício contrário ao interesse público quanto à preservação da Marina da Glória, enquanto parcela integrante do Parque do Flamengo. A restrição imposta ao polígono como área non aedificandi não representa a impossibilidade de modificação da estrutura física dos prédios integrantes da Marina – como se conclui da leitura das orientações adotadas pela autarquia federal – mas, que estes sejam utilizados com a finalidade precípua de atendimento ao interesse da coletividade, em suas gerações presentes e futuras, não sobrepujando o conjunto arquitetônico do Parque em sua íntegra. Os sucessivos projetos de exploração econômica da Marina da Glória apresentados nos autos demonstram o intuito de realizar construções capazes de rivalizar com o interesse público ínsito à preservação do patrimônio histórico e artístico nacional (arts. 215 e 216, da Constituição da República de 1988), inexistindo qualquer fundamento idôneo para ser privilegiado, na presente hipótese, o interesse particular da parte autora. Em audiência especial realizada em 29 de agosto de 2006, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional não ofereceu resistência à implantação de projetos voltados às atividades próprias às marinas e que não pusessem em risco a preservação do Parque, remanescendo a resistência da demandante em submeter-se às razoáveis diretrizes indicadas pela autarquia federal, inviabilizando, por conseguinte, transação judicial.

64. Compreendido o patrimônio cultural no conceito amplo de meio ambiente, revela-se indissociável da questão ora examinada a aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável, o qual foi estudado com percuciência por Edis Milaré (Direito do Ambiente, 3a edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 150), cujos ensinamentos são a seguir transcritos: “De acordo com o senso comum, a sociedade humana não se limita às nossas pessoas (gerações presentes) nem termina em nossos dias (gerações futuras). Somos responsáveis pela propagação da espécie, não somente do ponto de vista biológico, mas, ainda, de vários outros pontos de vista (histórico, cultural, econômico etc.). Incumbe, pois, à sociedade construir, mais do que o seu mundo atual, o mundo de amanhã. Por isso, quando se estabelece o princípio de que `todos têm o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado´, esse equilíbrio ecológico traz no bojo as condições do planeta Terra e as condições para as gerações futuras. Tomemos a expressão `usufruir corretamente dos recursos ambientais´: o verbo usufruir traduz um direito; o advérbio `corretamente´conota o dever.”

II. 4 – DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

65. O demandante afirma que o projeto para exploração econômica do polígono da Marina da Glória não foi apreciado pelo Conselho do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan que “se negou a examinar a proposta” (fl. 07). A parte autora, por conseguinte, alega que houve infração ao princípio do devido processo legal (art. 5o, LIV, da Constituição da República de 1988).

66. Contudo, a análise dos documentos, acostados às fls. 351/366, infirmam tal tese. De fato, ao ser aberto o processo n. 01500.000016/98-95, relacionado à consulta prévia sobre projeto voltado à “Revitalização da Marina da Glória”, o requerimento foi submetido ao Departamento de Proteção da autarquia, tendo sido proferido parecer contrário ao postulante (fls. 351/366). Apresentada a consulta ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, em sua 16a reunião, realizada em 26 de novembro de 1998, foram lidas as conclusões do parecer oferecido, fazendo com que todos os integrantes do colegiado tomassem ciência dos contornos principais do anteprojeto. Encerrada a leitura deste, houve os seguintes debates: “Após cumprimentar a arquiteta pelo cuidado e rigor com que desenvolveu o seu trabalho, o Presidente destacou a delicadeza do problema do equilíbrio entre a preservação de uma proposta para condições de vida de uma população diversa da atual, a evolução da própria cidade, a questão da sustentabilidade e o problema da privatização de uma área que, com exclusão das construções previstas no projeto Reidy, foi tombada e considerada non aedificandi justamente para permitir à coletividade a fruição daquele espaço. O Conselheiro Ítalo Campofiorito pediu a palavra para declarar-se favorável à manutenção do tombamento do projeto Reidy fundamentado nas palavras de Rodrigo Melo Franco de Andrade, no alerta de Maria Carlota Macedo Soares e na decisão do Conselho Consultivo em sua 134a Reunião, considerando descabida qualquer discussão sobre detalhes de um projeto que não atende às exigências decorrentes do tombamento. Quanto à privatização da área, julgou o Conselho incompetente para decidir, estando em suas atribuições opinar sobre o uso e admitir pequenas intervenções essenciais ao seu funcionamento, como novos banheiros. O Conselheiro Modesto Carvalhosa apresentou um voto de louvor ao estudo da arquiteta Cláudia Girão, endossou as palavras do Conselheiro Ítalo Campofiorito e reafirmou a tradição do Iphan de defender o Parque contra qualquer tendência de ocupação. Ponderou que o projeto Reidy não admitia a construção de 6 (seis) píeres para ancoradouro público de barcos que não pertenciam a sócios do Iate Clube. Quanto ao projeto constante na pauta, advertiu sobre as conseqüências: apropriação privada de um bem público inestimável para realização de uma mistura de parque temático, shopping center, parque aquático, etc; e para o surgimento de novas pretensões. Manifestou a sua indignação, considerando um escárnio à função dos conselheiros a proposta de apropriação de um bem público formado inclusive por áreas verdes, classificadas pelos interessados como terrenos baldios. (…) O Conselheiro Silva Telles cumprimentou a arquiteta Cláudia Girão pelo seu relatório onde tenta resolver o problema de acolher, no possível, um projeto inacolhível. Concordando com os Conselheiros Ítalo Campofiorito e Modesto Carvalhosa, acrescentou que o Parque do Flamengo criou uma face nova para o Rio de Janeiro. (…) Associou-se à posição dos Conselheiros Ítalo Campofiorito e Modesto Carvalhosa ao recomendar a recusa enfática de qualquer nova construção, particularmente no local denominado áreas baldias pelos autores do projeto, defendendo a permanência entre a cidade e o mar. O Conselheiro Ângelo Oswaldo tomou a palavra para cumprimentar a arquiteta Cláudia Girão pelo trabalho realizado e para manifestar a sua integral solidariedade com a posição dos Conselheiros Ítalo Campofiorito, Modesto Carvalhosa e Silva Telles. Lembrou o questionamento do Conselheiro Max Guedes sobre a colocação de um busto do Brigadeiro Eduardo Gomes naquele Parque, reafirmando o propósito de tombamento de impedir a colocação de monumentos, placas, bustos, quiosques etc, grande preocupação de Maria Carlota de Macedo Soares. Julgando fundamental o resgate do sentido do tombamento com a valorização do projeto original, espaço singularíssimo na paisagem do Rio de Janeiro, maior parque urbano do mundo, opinou pela negativa de acréscimos desse tipo e propôs o deslocamento do busto do Brigadeiro Eduardo Gomes para as proximidades do Aeroporto Santos Dumont. (…)”

67. Decerto, ainda que seja empreendida leitura perfunctória da transcrição dos debates do colegiado, observa-se a discussão quanto ao mérito da consulta, destacando-se sua incongruência com a finalidade do Parque do Flamengo. Logo, não resta configurada infração ao princípio do devido processo legal.

III – DISPOSITIVO

68. Posto isso, julgo improcedente o pedido, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, e revogo, por conseguinte, a decisão, de fls. 286/289, que permitiu a construção nos termos requeridos na alínea “a”, de fl. 17. Intime-se com urgência a parte autora, cientificando-a de que a continuidade das construções acarretará o pagamento de multa diária de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais)

69. Condeno a parte autora a ré ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 20, caput, do Código de Processo Civil), os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa, nos termos do art. 20, §4º, do Código de Processo Civil.

70. Corrija-se a autuação a partir da fl. 620.

71. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

_______________________
Rio de Janeiro, 31 de agosto de 2006.

Fábio Cesar dos Santos Oliveira
Juiz Federal Substituto no exercício da Titularidade

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