Hotel Glória, um patrimônio perdido

Não houve tempo para que os cariocas lamentassem a perda do Hotel Glória. Hoje, pouco resta do local que já foi um imponente hotel que hospedou celebridades e Chefes de estado, além de espetáculos em seu inesquecível teatro. Resta o casco.  O conteúdo que lhe completava, foi-se.

Entre outras más notícias para a memória da Cidade, em nota publicada em sua coluna, o jornalista Fernando Molica relata que ao longo das obras, seis painéis pintados em 1960, pelo ceramista português João Martins para o Hotel Glória foram destruídos pelo grupo EBX, durante a reforma do prédio.

Segundo a empresa, as gravuras estariam “chumbadas e embutidas em colunas de concreto”, o que impediu a sua retirada.

Em março de 2012, durante o meu mandato na Câmara Municipal do Rio, tomamos algumas providências, por meio do nosso gabinete parlamentar, referente ao Hotel Glória, nos limites impostos pela Constituição. (Leia mais)

Em carta escrita à assessoria de imprensa do Hotel Glória, a filha do artista plástico, Rachel Martins, lamentou a ação e a falta de respeito ao trabalho do seu pai.

“Meu pai, o artista plástico João Martins, sempre disse: `Minha filha, dinheiro não significa cultura´.

Guardo, até hoje, o cartão-postal que meu pai escreveu para minha mãe, quando estava colocando os painéis no Hotel Glória. Ainda novo, recém-chegado de Portugal, dizia: `Estou sendo tratado como rei, não se preocupe´.

No começo de 2008, estive pela última vez no Hotel Glória, visitando o Salão Rugendas, e todos os painéis estavam lá, preservados. Impecáveis. Como mostram as fotos. Os painéis pintados à mão – e queimados no forno – pelo meu pai na cerâmica da qual era dono em São Paulo, entre as décadas de 1960 e 1980 – conhecida como Atelier Artístico Martins, no Morumbi – ficaram no Hotel Glória por mais de 50 anos.

Minha alma dói diante de tanta falta de sensibilidade (até porque, desde o começo das negociações para a venda do imóvel, entrei em contato várias vezes com as assessorias, não só do Hotel Glória, mas também do barco Pink Fleet, que pertence ao milionário. Inclusive escrevi um e-mail para o próprio Eike Batista.

Caso tivessem me dado retorno, certamente o destino dos painéis seria outro. Custo a acreditar que as obras não pudessem ser removidas (tenho certeza de que se meu pai estivesse vivo, certamente saberia como retirá-las das colunas, até porque era um mestre nessa e em outras artes).

Ontem (31/01/2011), saiu mais uma nota na coluna Victor Hugo informando sobre a destruição dos painéis. Fico aqui a imaginar uma marreta quebrando tudo, sem piedade.

Trajetória

Seria difícil, em poucas linhas, contar a história de meu pai, um português que veio de Coimbra, para o Brasil, em 1954, e que já nasceu com o dom das artes. O que posso dizer é que durante as décadas de 1960 e 1980 ele fez vários trabalhos, principalmente em São Paulo, para a sociedade paulistana, incluindo Juscelino kubitschek, Ulisses Guimarães, Olavo Setúbal, o playboy Baby Pignatari – que na época era casado com a princesa Ira de Furstenberg -, e muitos outros. Também trabalhou um tempo com Burle Marx, além de ter trabalhos em outros lugares do Brasil. Também foi diretor artístico da cerâmica Ornato, em Vitória, e da cerâmica Eliane, em Criciúma, onde deixou centenas de trabalhos.

Meu pai não era, com certeza, um empresário, tanto que tudo que ganhou perdeu. Tinha alma de artista. Ele gostava mesmo era de se trancar e fazer arte (cerâmica, pintura em telas, esculturas, entre outras). No final da vida, era só o que fazia. Mas, já desiludido com a desvalorização da arte, deixou uma carta, onde comunicava aos filhos que todas as obras feitas por ele nos últimos anos não deveriam ser vendidas ou doadas, mas permanecer com os cinco herdeiros.

Por isso, hoje, meu pequeno apartamento parece uma galeria de arte (nem tenho onde colocar tantas obras). Mas, pelo menos, elas estão aqui, preservadas. Na verdade, tem uma frase que certa vez meu pai me disse que resume bem sua alma de artista:

`Minha querida quando vendo uma obra, é como se estivesse vendendo um filho´. Alguém assim, vamos concordar, jamais saberia mensurar em cifrões o seu trabalho. Era apenas pura inspiração. Arte pela arte.

Os painéis do Hotel Glória eram apenas uma parte do acervo de mestre João Martins – que, por ironia do destino, tem muitas obras assinadas como João Ninguém (em mais um momento de pura inspiração). E eu estou em busca de todas elas. Peço, gentilmente, que as pessoas que tiverem obras dele, por favor, entrem em contato comigo. Quero apenas as fotos para documentá-las. E caso não as queiram mais, gostaria de ficar com elas. O que não quero é que tenham o mesmo destino dado aos painéis do Hotel Glória. E talvez, num futuro, colocar à disposição numa fundação.

Quero agradecer imensamente a jornalista Claudia Feliz, que descobriu toda essa história através de uma mensagem minha no Facebook. Ela identificou a importância de publicar uma nota, sem a qual eu jamais saberia o trágico destino dado aos painéis do Hotel Gloria.”

Atenciosamente

Rachel Martins

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11 Resultados

  1. Nome*Heloisa Helena Meirelles disse:

    Muito triste mais uma vez ver perder-se mais um pedaço da cultura. Perde o artista, perde a cidade, perdemos todos.

  2. Agradeço de coração todas as manifestações de solidariedade. Infelizmente, só sobraram mesmo as fotos. Triste é saber que entrei em contato antes e se as empresas X tivessem ao menos me contatado, com certeza daria um jeito de retirar os painéis. Daria tempo não é mesmo, até pelo andar da megareforma, e não restauração do Glória, como muitos ainda teimam em classificar a megalomania de seu novo dono, Valeu a pena? Me pergunto isso todos dias… Para começar o dinheiro da reforma, na verdade, saiu de nossos bolsos, afinal a EBX obteve um valor considerável com o BNDES, por conta do ProCopa, e o pior, o hotel nem vai ser entregue para o campeonato. E também se o problema do Rio são mais “apartamentos”, não faz sentido nenhum diminuir o número de quartos, como já fizeram. E agora, sem dinheiro para continuar, o empresário está procurando alianças fora do Brasil, como por exemplo com uma rede de hotéis do Canadá, para dar continuidade a sua insanidade. Eu pergunto, o que realmente o megaempresário entregou de concreto até agora, apenas sonhos, ou melhor pesadelos. Obrigada, a luta continua.

  3. Edu disse:

    É deplorável o que anda acontecendo com a cultura no Brasil. Um fato como esse não é tratado como escândalo, mas se um professor de artes disser que berimbau não é um instrumento musical, será considerado um atentado gravíssimo contra nossa cultura afro-ancestral. Um país que vive mergulhado em ilusões, em modismos fúteis que assumem status de descobertas científicas ou revelações proféticas. Onde vulgar é exaltado e o raro desprezado. Essa balburdia chamada Brasil foi perfeitamente retratada por Machado de Assis em “O alienista”.

  4. Realmente isto é muito triste. Solidarizo-me com a sua família. Felizmente as obras na Marina foram embargadas, senão o resultado seria afundar o aterro…

  5. Olá Sonia, nos conhecemos na casa de Aspásia. Istoaí me lembra o painel de Aluisio Carvão na Gávea, pelo qual lutamos dois anos eu e o Prof de arquitetura e pintor Mario Fraga) até ser restaurado e tombado, pois teria o mesmo destino. A pergunta que não cala: A tal da empresa chamou o Iphan ou algum especialista em restauração para retirada das peças?
    É um enorme descaso. Enchem a cidade de cacarecos de arte pública de amigos dos prefeitos, ignoram a comissão especializada criada para escolher o que vai ser colocado nas ruas, ignoram o Iphan e a memória do país. Fico indignada! Como artista e como cidadã. um abraço.. Clarisse Tarran

  6. Cara Sonia e Raquel, infelizmente vivemos em um país onde a cultura e educação não estão no interesse de políticos ou empresários. Amava o Hotel Gloria e seus ilustres visitantes, a arquitetura da época. Só que infelizmente o grupo não era o Pink Floyd e o Eike teve o nome escrito em uma coleira da cachorro desfilando no pescoço da esposa no sambódromo. O que se pode esperar de grupos como esses? Sinto muito mesmo por esse vandalismo. Pelo menos ficaram gravadas no computador.Pude vê-las. São maravilhosas.

  7. Caras Sonia e Raquel Martins:

    Este é o nosso país com governantes pouco merecedores de suas glórias. A boa notícia é que podemos resgatar estas belas obras através da pintura por computador. Para isso necessitamos apenas de fotografias. Como no Brasil já dispomos de tecnologia de impressão digital sobre revestimentos cerâmicos a reprodução dessas belas obras poderá ser resgatada e impressa com tecnologia digital.

    Rose Bittencourt
    Artista Plástica Digital
    bittencourt_rose@yahoo.com.br
    12 3922-0606

  8. Caras Sonia e Raquel Martins:

    Este é o nosso país com governantes pouco merecedores de suas glórias. A boa notícia é que podemos resgatar estas belas obras através da pintura por computador. Para isso necessitamos apenas de fotografias. Como no Brasil já dispomos de tecnologia de impressão digital sobre revestimentos cerâmicos a reprodução dessas belas obras poderá ser resgatada e impressa com tecnologia digital.

  9. Maria da Gloria Botelho disse:

    Com certeza isso tem o dedo podre do Sergio Cabral e do Eike Batista. O IPHAN sempre se omitindo.

  10. Raquel Martins,
    Triste a noticia que, infelizmente, reflete a formação cultural da nossa pseudo elite. Espero que tenha melhor sorte com o restante das obras de seu pai. Lindo de morrer o conjunto de painés do Hotel Gloria. Eu teria construído minha casa em volta deles!

  11. O que se esperar, de um país em que funk, o tal do passinho e meninas fazendo o tal do 4 /8 sei lá mas o que é cultura e apoiado por políticos?!?!??

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