O coronavírus crônico na Câmara de Vereadores do Rio infecta a legislação urbanística: o caso da pseudo AIES de Rio das Pedras

O coronavírus que contagia a produção legislativa é uma infecção crônica, latente e permanente, e que está matando, aos poucos, o que resta da Cidade. E, pela ignorância, pelos interesses ou pela ideologia, os vereadores votam conforme a orientação do Executivo (sua “base”), uma vez que a Administração troca pequenos favores em suas comunidades por votos nos projetos de seu interesse.

É a contaminação do toma lá dá cá no parlamento da cidade que acontece há décadas. É como os vereadores de base local se reelegem; usando os favores de obras e serviços que o Executivo faz em suas áreas de influência, a pedido deles. E aí os cidadãos cariocas se perguntam os motivos pelos quais a cidade vem se deteriorando tanto, sem conectar esta degradação às negociações de favores e pedidos que acontecem diuturnamente na Câmara de Vereadores da Cidade.

Prova disto aconteceu nesta quarta-feira, dia 11, quando foi aprovado, em primeira votação, um projeto estranhamente tortuoso; o projeto de lei 1418/2019.

Aparentemente, ele seria um projeto para apenas estabelecer uma AEIS (Área Especial de Interesse Social).  Mas o texto do projeto nos leva a crer que o uso deste instrumento é uma manobra para excetuar a legislação urbanística geral para alguns terrenos na região da Zona Oeste, sem cumprimento das regras do Plano Diretor.

Vejamos:

1. O projeto de lei 1418/2019 altera uma área já grande da favela de Rio das Pedras, na Zona Oeste, declarada como área de interesse social há 21 anos – em 1999 – pelo Prefeito Conde (Lei 2818/1999). Embora tenha passado duas décadas, nada aconteceu em Rio das Pedras. Minto, aconteceu sim; cresceu exponencialmente sem que nestes anos, mesmo com o boom de recursos públicos para a Copa e para a Olimpíada, qualquer ação efetiva dos executivos eleitos neste período tenha se realizado para melhorar as condições habitacionais do local. Rio das Pedras, terceira maior favela do Rio é, segundo a mídia, um território dominado pela milícia. 

2. Agora, o projeto de lei 1418/2019 acresce à área original de 1999 mais cinco novas áreas (poligonais 2 a 6), sendo que, segundo o mapa abaixo anexado ao projeto, estas novas áreas não são necessariamente ocupadas pelas favelas, mas grandes lotes pertencentes a alguns proprietários privados.

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3. E o que quer o projeto de lei especial ampliando a AEIS para estes terrenos? Quer mudar os índices urbanísticos da região para aplicá-los só para aquelas áreas ou lotes, sem que isso seja objeto de lei complementar (que requer quórum especial de votação), sem ouvir o Conselho de Políticas Urbanas (COMPUR), sem realização de audiências públicas no Executivo, sem participação da sociedade civil.

4. Para fazer esta manobra urbanística a demagogia vazia é usada. Diz-se que a área será para habitação social, pois o art. 205 do Plano Diretor do Rio, só permite que uma AIES seja criada quando “destinadas a famílias de renda igual ou inferior a seis salários mínimos (…)”. Ora, para que isto seja concretizado é incontornável que esta enorme área seja objeto de um amplo projeto urbanístico, mas que, nestas dimensões, poderá acarretar um grande gueto social. Aliás ter um plano, a ser submetido junto com o projeto de lei, é impositivo, segundo o art.207 do Plano Diretor que diz:  Art. 207. O Plano de Urbanização de cada AEIS deverá prever:

I – diretrizes, índices e parâmetros urbanísticos para o parcelamento, uso e ocupação do solo e instalação de infraestrutura urbana respeitadas as normas básicas da legislação de Habitação de Interesse Social e nas normas técnicas pertinentes;

II – diagnóstico que contenha no mínimo: análise físico-ambiental, análise urbanística e fundiária e caracterização socioeconômica da população residente;

III – os projetos e as intervenções urbanísticas necessárias à recuperação física, incluindo sistema de abastecimento de água e coleta de esgotos, drenagem de águas pluviais, coleta regular de resíduos sólidos, iluminação pública, adequação dos sistemas de circulação de veículos e pedestres, eliminação de situações de risco, estabilização de taludes e de margens de córregos, tratamento adequado das áreas verdes públicas, instalação de equipamentos sociais e os usos complementares ao habitacional, de acordo com as características locais;

IV – instrumentos aplicáveis para a regularização fundiária;

V – condições para o remembramento de lotes nas AEIS 1;

VI – forma de participação da população na implementação e gestão das intervenções previstas;

VII – forma de integração das ações dos diversos setores públicos que interferem na AEIS objeto do Plano;

VIII – fontes de recursos para a implementação das intervenções;

IX – adequação às disposições definidas neste Plano, no Plano Municipal de Habitação de Interesse Social e nos Planos Regionais;

X – atividades de geração de emprego e renda; XI – plano de ação social.

Cumpriram-se estas exigências do Plano Diretor? Claro que não! Não tem nem plano urbanístico. Apenas, mudança de gabarito e parâmetros urbanísticos para os terrenos privados incluídos nos polígonos 2,3,4,5, e 6 do projeto de lei!

O pior é que o discurso oficial do prefeito parece querer se aproveitar de uma certa ignorância geral (aí incluído uma suposta ignorância dos vereadores), quando este justifica por escrito, no ofício por ele enviado à Câmara de que a habitação social seria para beneficiar os servidores municipais e professores.

É faltar com a verdade publicamente, já que o alcaide deve saber, por instrução da sua própria Procuradoria, que salvo em terrenos municipais, nem ele, nem qualquer administrador público, pode discriminar entre a população de baixa renda (até seis salários mínimos) seja por classe, cor, categoria profissional ou funcional, sexo, para colocar prioridades na fila dos necessitados. É fazer muito pouca consideração no mínimo do conhecimento e da inteligência cidadã alheia…

 

(Clique sobre a imagem para ampliar)

E por falar em pouca informação da “base” de vereadores do prefeito na Câmara, que não está nem aí para o cumprimento da Lei do Plano Diretor da Cidade, vejam os vereadores (em verde) que votaram a favor desta enganação legislativa na cidade do coronavírus urbanístico crônico.

2 Resultados

  1. Reimont disse:

    Querida Sônia,
    Este projeto é uma enganação. De fato a questão é da especulação e não dos professores. A pergunta então é: por que votei a favor em primeira discussão? Resgatando minhas falas no plenário – e falei algumas vezes no dia – dirigi-me aos professores presentes dizendo a eles que não estão incluídos no PL. Fiz cópias do PL e os distribuí na galeria, na tentativa de convence-los a vir para o nosso lado e compreenderem as manobras da prefeitura que os usa. Votei favorável em primeira discussão a partir de uma proposta: que a prefeitura diga expressamente no corpo do projeto que as construções são destinadas aos professores, já que o chamam de minha casa, meu professor. Isso não poderá ocorrer porque não se pode ter, no modelo “minha casa, minha vida”, público de uma categoria específica e sim, público por faixa de renda. Logo, a contradição da prefeitura aparecerá. Caso a prefeitura queira beneficiar os professores ou os servidores de modo geral, que restitua a carta de crédito do Previrio.
    Temos que propor Audiência Pública para este PL.
    Fiz um voto de estratégia.
    Que bom ter você tão atenta às questões da cidade. Grande abraço, paz e bem!
    Reimont

  2. Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros disse:

    Excelente matéria, Sonia!
    É impressionante como os “meios de comunicação” se omitem de seu dever de esclarecimento da população a respeito dessas “manobras políticas” de governantes e os REPRESENTANTES DO POVO no LEGISLATIVO!!!!!
    Por que isto não é notícia na imprensa falada e escrita?

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