Rio de Janeiro: A devastação amazônica pode ser aqui, na Floresta do Camboatá. E Toffoli, no STF, decidiu contribuir para isso

#odiadepois

Em decisão monocrática, no plantão judiciário do STF, “lá de Brasília”, o Ministro Toffoli autorizou a realização de audiência pública virtual para apreciar o Estudo de Impacto Ambiental para a construção de um Autódromo no lugar da Floresta de Mata Atlântica – do Camboatá, no bairro de Deodoro, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Do ponto de vista puramente jurídico o Ministro Toffoli, ainda como Presidente do STF, poderia fazê-lo. Mas, na prática, a sua decisão individual (monocrática) sugere uma hiperbulia no exercício de uma faculdade judicante excepcional dada ao Presidente do mais alto tribunal do País.

Esta decisão, dada de um dia para o outro (no dia seguinte de a petição ter dado entrada naquele Tribunal), em nome do Supremo, (1º) comprometeu e adiantou uma posição do STF sobre o cabimento de audiências públicas virtuais como suficientes para o licenciamento ambiental ou qualquer outro, (2º) desautorizou duas outras decisões de Tribunal local do Rio – a do Juiz de 1ª instância e a do Tribunal de Justiça do Rio, que tinham decidido em contrário em relação a este pedido. 

Não seria o tribunal local o mais apto a apreciar a questão, uma vez que este tema envolve não só um direito, mas também questões fáticas relevantes a serem consideradas?

Uma “penada” – A realização de audiências públicas virtuais não é uma questão simples de ser resolvida em uma “penada”. Há vantagens e desvantagens a considerar. Daí que, para implantar este método novo, virtual, talvez até necessário para melhorar a participação social nas políticas públicas, a solução não está na decisão maniqueísta e simplória do sim ou do não, mas de como, quando, e em que casos e circunstâncias.

Audiências públicas virtuais foram suscitadas com o advento da pandemia da Covid-19. E, então, alguns órgãos públicos editaram normas internas para viabilizá-las. Porém, estamos engatinhando na análise da eficácia da correta participação social através do meio virtual. Será que podemos dizer que somente pelos cliques ou pelo número de acessos de participantes estaremos melhorando a qualidade desta participação? 

Afinal, não estamos justamente começando a conhecer melhor os danos dos robôs nas redes? Como poderemos saber quem qualificará os participantes, suas manifestações, interesses, proximidades ou distâncias com o tema que está sendo discutido? 

Discutindo a questão das redes, em recente artigo no Jota, a autora Ana Frazão lembra que há o risco de “ser criado um debate público completamente artificial e distorcido, sem qualquer transparência sobre quem efetivamente participa e a que interesses serve. Cria-se uma falsa arena democrática, em que robôs, embora não votem, pautam as discussões e formam a chamada “opinião pública” com seus posts e likes.”

Prudência – No momento, a prudência é o mais indicado. As urgências na execução de serviços públicos essenciais talvez exijam que alguns processos de licenciamento andem, e que as audiências públicas virtuais sejam autorizadas, ainda em caráter excepcional, cercadas de muitos condicionamentos.

Mas, no caso em questão, o da construção do Autódromo de Deodoro, este não  é um serviço público; é um empreendimento particular cercado de controvérsias, e judicializado, no qual o Ministério Público Estadual e Federal entendem que a pretensão é contrária ao interesse público por pretender destruir Mata Atlântica protegida por lei, em um bairro do Rio. Por isso, o Desembargador Murilo Kieling do TJ-RJ, ao indeferir a suspensão da liminar que impedia a audiência pública virtual, fundamentou que:

diante das peculiaridades dos autos e porquanto a prudência nos orienta, uma vez que considero prematuro, nesta fase processual, determinar a concessão da tutela recursal, (…) as razões declinadas pelo ente público Agravante [Município] não demonstram que a imediata e integral produção de efeitos da decisão agravada irá acarretar risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e sendo assim, eis que necessária a integração do contraditório e da ampla defesa.

Mas, o Ministro Toffoli, lá de Brasília, em 24 horas, e sem ouvir o Ministério Público que era a parte litigante, no alto de sua inspiração planaltina, entendeu que a prudência apontada pelo Desembargador Kieling na sua não concessão da suspensão da liminar, ao impedir a realização, em ambiente virtual, da audiência pública em questão, acarreta sérios riscos à ordem pública e administrativa do município requerente”  

Parece evidente que ao usar ao seus poderes excepcionais de suspender a decisão dos magistrados locais, o Ministro Toffoli deu uma decisão muito mais de caráter política do que jurídica, já que os sérios riscos à ordem pública e administrativa do Município não podem ser provados ou comprovados em um projeto econômico privado, em um período onde muitas atividades econômicas pequenas, médias e grandes aguardam o tempo sanitário para reabrirem. 

A infeliz decisão do Presidente do STF nos faz repensar e ver que o escândalo do desmatamento na Amazônia não é senão um reflexo de uma cultura geral. A ignorância no qual se funda o escândalo do desmatamento se repete por todo o País, nos restantes fragmentos florestais espalhados pelas cidades. A esperança era de que, no Rio, na Cidade dita Maravilhosa, e culta, fosse diferente. O Ministro Toffoli, em pleno século XXI, ainda pensa diferente. Lamentável, porque este projeto é também um escândalo internacional!  

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6 Resultados

  1. José Cláudio URURAHY disse:

    Tem que se ter mais prudência no trato de um assunto tão polêmico como esse. E preciso avaliar detalhadamente a viabilidade da utilização de outros espaços na zona oeste da nossa cidade que poderiam ser utilizados,ocasionando muito menos impactos ambientais,para a construção do novo autódromo. Nada de acodamento para um assunto tão importante e delicado.

  2. Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros disse:

    São chocantes os “ACORDOS” perpetrados entre seres humanos ocupantes de Altos Cargos da administração de uma Sociedade, ao PISAREM todos os direitos dos viventes deste Planeta Terra, principalmente neste Brasil de Tão Poucos!
    Não se preocupam com a realidade de centenas de favelas do Rio de Janeiro, CRIADAS por Projetos de Brasil Urbano Industrial, sem preparação de moradias para os ARRANCADOS do Brasil Agrário? Vai continuar o MASSACRE de populações Transplantadas, tendo de morar em barracos miseráveis, sem o Direito Mínimo de contemplar a última floresta do Rio de Janeiro?
    Quem lucrará com este DESMATAMENTO? Que Benefício Social um Autódromo traria ao Rio de Janeiro? Não basta o Horror das Sucatas Pós – Olimpíadas e Campeonatos de Futebol?
    É mais um passo na Destruição do Rio de Janeiro, desde a Quebra da Bolsa de Valores, a falência de empresas como Mesbla e o arrasamento do Centro da Cidade, sem falar no Confisco dos Royalts do Petróleo, para Pagar Empréstimos Monstruosos Feitos por Governantes EXECUTORES de Projetos como este “Em Pauta”, quando HOSPITAIS SÃO FECHADOS e Agentes de Saúde Trabalham com SALÁRIOS ATRASADOS!

  3. Pvitoriano disse:

    Decidem Leis na calada da noite, como Dante!!

  1. 23/07/2020

    […] em 23 de julho de 2020 por copelli No texto a seguir, publicado originalmente no site “A Sociedade em Busca do seu Direito”, a professora e jurista Sonia Rabello destaca o novo capítulo sobre a Floresta do Camboatá. Em […]

  2. 23/07/2020

    […] / 2 mins ago julho 23, 2020 Neste artigo, publicado originalmente no site “A Sociedade em Busca do seu Direito”, a professora e jurista Sonia Rabello destaca o novo capítulo sobre a Floresta do Camboatá. Em […]

  3. 13/08/2020

    […] Nesta ACP o Ministério Público Estadual questiona a forma de realização da Audiência Pública (determinada no bojo do processo ACP/MPF). Isto porque o interessado (RIO MOTORPARK) pretendeu primeiro realizar a audiência pública presencialmente, em plena pandemia; e, depois, como esta se mostrou impossível, pretendeu realizá-la de modo remoto (virtual). A forte argumentação do MPE nesta ação obteve inicialmente acolhimento liminar no Juiz de 1ª instância; mas esta decisão foi posteriormente cassada pela decisão monocrática do Ministro Toffoli, no recesso judicial do STF, alegando “interesse da ordem pública”… Esta decisão monocrática do atual presidente do STF ainda é objeto de recurso, interposto pelo MP…. […]

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