Atrás do muro… na Glória!

Guilherme Wisnik , arquiteto e crítico de arquitetura –  Artigo publicado originalmente no Jornal “Folha de São Paulo” / Agosto de 2006

“Há dois meses e meio, escrevi um texto denunciando a privatização em curso de uma importante área pública e tombada na orla do Rio de Janeiro: o Aterro e Parque do Flamengo (‘Patrimônios pilhados’, 12/06/2006). Trata-se da construção de um complexo contendo centros de convenções, exposições, clube privado, centro turístico e shopping center, ocupando uma área de 40 mil m2 na Marina da Glória. Obra em curso graças a uma liminar da Justiça Federal que cancela a negativa dada anteriormente pelo Iphan.

O Parque do Flamengo, projetado por Affonso Eduardo Reidy e Roberto Burle Marx, é um dos mais importantes parques urbanos do mundo. “Protegido” como patrimônio nacional desde 1965, candidata-se ao título de “patrimônio mundial” da Unesco ironicamente no mesmo momento em que começa a ser desmembrado, loteado e desfigurado.

A volta ao tema, nessa coluna, deve-se à urgência da questão. Nos últimos meses, apesar da mobilização da sociedade através de manifestações públicas, audiência na Câmara de Vereadores, e (poucas) denúncias na imprensa, as obras continuaram.

Contudo, veio recentemente a público um parecer elaborado pela advogada Sonia Rabello destrinchando a ilegitimidade do processo, disponível em www.vitruvius.com.br.

Professora Titular de Direito Administrativo e Urbanístico na Uerj, Rabello elaborou o parecer a pedido da Comissão Especial do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento do Rio de Janeiro (IAB/RJ), que prepara um pronunciamento sobre o assunto.

Quem realiza a obra é a Empresa Brasileira de Terraplenagem e Engenharia (EBTE), que detém os direitos de concessão do uso das instalações da Marina. Como a exploração turística e comercial do atracamento de barcos particulares não é um serviço público, a Prefeitura `privatiza´ a gestão das instalações existentes.

Porém, a inversão que ocorre nesse caso, na forma de uma manobra jurídica, é o fato da EBTE agir como se fosse proprietária da área, propondo “obras provisórias” que revitalizam as existentes, e que, na verdade, se resumem a uma construção inteiramente nova: enorme, fechada e privada, obstruindo o acesso público à Marina.

Dessa forma, o que era, originalmente, um contrato de gestão administrativa, se transforma em um repasse de terras. Ainda, a decisão judicial fundamenta suas razões em um relatório de Impacto Ambiental encomendado e pago pelos interessados, e que avalia esse impacto apenas nas margens oceânicas, sem levar em conta dados como o congestionamento viário e a descaracterização da paisagem do parque.

Essa decisão judicial em segunda instância, conduzida, como mostra Rabello, por força de `induções maliciosas, e uma confusão, bem orquestrada, de conceitos jurídicos´, ameaça gravemente o Parque, e abre um precedente sinistro na queda de braço entre a conservação do patrimônio público e os interesses do mercado.

Como avisa a advogada, essa liminar é uma carta branca. Com ela, `não há mais qualquer controle sobre o que está sendo executado, pela EBTE, no Parque público´.

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