Argentina e a participação social nas políticas públicas: avanço pela Jurisprudência
A decisão judicial nos pareceu tão boa e didática que comentaremos aqui alguns de seus aspectos, já que este é um tema que angustia a todos que batalham por tornar a participação social nas políticas públicas mais do que apenas um discurso demagógico.
Note-se que esta ação judicial iniciou-se em 2016 e, após tramitar no Juízo de 1ª e 2ª instâncias alcançou a Suprema Corte, que deu a sua decisão definitiva no último 18 de agosto deste ano. Decidiu anular o aumento para todos os usuários residenciais do país, com a volta aos preços anteriores, e com a manutenção da tarifa social.
Vamos ao caso:
O Presidente Macri, ao assumir a Presidência da Argentina se propôs ajustar as contas públicas. Sua política governamental entendeu que o subsídio público, dado pelo governo anterior às tarifas de serviços públicos, desequilibravam essas contas e, por isso, no âmbito de sua competência executiva decidiu reajustá-las.
O reajuste nas contas dos serviços de gás não foi pequeno (de 400 a 1000% em alguns casos). Além disto, mexeu também com as chamadas tarifas sociais de gás.
Este reajuste gerou um processo judicial coletivo de “amparo”, o que corresponderia aqui no Brasil à Ação Civil Pública, proposto inicialmente pelo Centro de Estudios para la promoción de la Igualdad y la Solidaridad (CEPIS)
O resultado da ação foi a anulação, pela Suprema Corte, do aumento da tarifa do referido serviço público, mas apenas para usuários residenciais. Qual o fundamento ? A ausência de prévia audiência pública, cujo cumprimento é obrigatório.
Mas, o que foi mais importante, é que a Suprema Corte Argentina foi além do formal – o que é usual no Brasil -, e determinou quais as condições mínimas para que audiências públicas fossem realmente consideradas como válidas.
A decisão se fundou no art. 42 da Constituição Argentina. Embora este artigo não mencione, textualmente, sobre audiências públicas prévias e participação popular, este direito foi inferido a partir do seu texto que diz:
Articulo 42o.- Los consumidores y usuarios de bienes y servicios tienen derecho, en la relacion de consumo, a la proteccion de su salud, seguridad e intereses economicos; a una informacion adecuada y veraz; a la libertad de eleccion y a condiciones de trato equitativo y digno.
A seguir, o relator da decisão fundamenta e orienta quanto aos requisitos deste direito de participação, estabelecendo que:
“Ressalte-se que para este direito não ser ilusório , devem ser cumpridas as seguintes condições .
Em primeiro lugar, todos os utilizadores têm direito a receber a partir da informação adequada, veraz e imparcial estatais de forma prévia, ou seja, antes da realização das audiências .
A segunda condição é dado pela celebração deste espaço de discussão entre todos os interessados , com um sistema adequado que permita a troca de ideias responsáveis em termos iguais.
Finalmente, este direito deve ser valorizado no momento em que o executivo toma a decisão . Caso contrário, todos os passos acima constituem ritualismo puro, se a autoridade não considerou a razoabilidade, na oportunidade de tomar resoluções sobre o caso, das situações e dos argumentos que foram apresentados na audiência.”
É uma lição bem interessante e é razoável aprender com os vizinhos argentinos.