Arqueologia histórica sob pressão urbana
Os executores das políticas urbanas ainda não sabem como lidar com o patrimônio arqueológico histórico das cidades brasileiras. E, as nossas cidades refletem a nossa auto percepção de “Peter Pan” urbano: pensamos ser eternamente jovens!
Publicada no Estadão a notícia de que “Arqueologia ameaça prédio e Parque na Augusta”. Em comentário, um arguto leitor questiona: “Não seria o oposto ? A especulação imobiliária, ou algo do gênero, ameaça o patrimônio arqueológico ?”
Afinal, acrescento, quem surgiu primeiro naquele espaço: o patrimônio arqueológico ali submerso ou o novo projeto de obras no local?
No Rio, cidade que comemora seus 450 anos, a questão de pesquisa e da mostra do patrimônio arqueológico é assunto absolutamente misterioso, e que resta enterrado por opção das políticas de cidades “Peter Pan”.
Temos o exemplo atualíssimo da Região Portuária. Qual o patrimônio arqueológico mapeado e preservado, neste local, onde a ênfase é nas obras e nos prédios gigantescos que estão sendo projetados para o local?
No Porto do Rio não sabemos nem o destino final da incrível pedra fundamental do Imperador D. Pedro II encontrada por uma “infelicidade” para os empreendedores perto do Cais do Valongo.
Aliás, qual o destino de preservação do fantástico Cais do Valongo ? Será ele engolido pelas Torres Trump?
E as incríveis ruínas achadas embaixo da construção (paralisada) da futura e extravagante sede do Banco Central? Não deixem de ver as novas fotos abaixo, cedidas a este site.
Qual o projeto de recuperação arqueológica das ruínas achadas na Avenida Rio Branco, nas obras do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT)?
Arqueologia histórica das cidades brasileiras é um item a ser considerado no planejamento das cidades. Ainda há muito pouca interação da gestão administrativa das áreas de urbanismo e de patrimônio cultural nas municipalidades. Seu tratamento ainda é de exceção.
Enquanto assim o for, ainda teremos patrimônio cultural sob pressão, como mostra a reportagem acima mencionada.
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Sou arquiteto residente em São Paulo, mais precisamente defronte ao Parque Augusta. Sou também o autor do relatório sobre o qual o jornalista Edison Veiga (Estadão) baseou sua matéria com o título “Arqueologia ameaça prédio e parque na Augusta”. O jornalista foi fiel no que escolheu destacar em meu relatório, quanto a importância de se realizar um estudo arqueológico no terreno, cujos proprietários (construtoras Cyrela e Setin) pretendem erguer 3 torres, projeto esse aprovado pelo órgão municipal em janeiro passado, à revelia de uma necessária atenção aos remanescentes históricos que remontam a nossa modernidade arquitetônica e urbanística de mais de um século. Entretanto, o jornalista foi, de fato, “tendencioso”, ao dizer que a “arqueologia ameaça prédios e parque…”, ignorando a noção de um Termo de Referência do IPHAN atinente ao Programa de Educação Patrimonial e Inclusão Social, cujos objetivos seriam, em suma, de vir a realizar, no interior do terreno, uma prospecção arqueológica simultânea à participação da população. Ou seja, a arqueologia, que agora esperamos tornar-se realidade através do IPHAN, jamais restringiria o parque que queremos, aberto ao público e contando com essa máxima da Educação Patrimonial.
Tenho dado sequência a minha pesquisa em velhos arquivos da cidade, no sentido de comprovar as hipóteses arroladas no meu relatório, com vistas a interceder, por definitivo, sobre a ideia de construção nesse tão precioso terreno no centro da cidade e, por conseguinte, comprovar, também, a “inoperância” ou negligência de nosso órgão municipal de preservação histórica e ambiental. De modo que concordo plenamente com os apontamentos feitos pela professora Sonia Rabello, que traça um paralelo com o que acontece também no Rio de Janeiro, à luz da mera especulação imobiliária que tende a se impor. Contudo, acreditamos que o caso paradigmático do Parque Augusta virá reverter essa “lógica” especulativa, uma vez que nosso ativismo político se desdobra e se fortalece a cada dia, hoje reunindo várias instâncias jurídicas (como o Ministério Público do Estado de São Paulo), técnicas (a Universidade de São Paulo em especial) e da sociedade civil (o movimento social denominado Organismo Parque Augusta, por exemplo).
O Parque Augusta tem sido, dentre outros casos também paradigmáticos na cidade, de extrema importância no âmbito do Direito à Cidade e da construção da cidadania que, entrementes, perpassa a noção de participação popular nas políticas urbanas.
Seguiremos adiante com nossa pressão cidadã sobre as políticas urbanas, ainda que os velhacos que constroem as cidades “Peter Pan” continuem nos assombrando.
Arnaldo de Melo,
arquiteto, dr. em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo pela FAU USP
Continuo lhe aguardando aqui no IPHAN
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