Aterro/Parque do Flamengo
A desfiguração do Parque tombado pelo evento da FIFA é rápida, suntuosa e de “entrega” internacional; ou seja, destituída de brasilidade e de simplicidade, num mundo necessitado de recursos e dinheiro.
Em notícia publicada em um jornal paulista é afirmado que “a estrutura é maior do que a de congressos da Fifa em Zurique, feitos em pavilhão similar ao Riocentro. Nem a cerimônia de anúncio das sedes das Copas de 2018 e 2022, no ano passado, atingiu tal patamar.” (confira)
Tudo isto em completo descaso e desprezo pela história de criação deste fantástico Parque público, que continuamos a contar abaixo.
Imagino que, a esta altura, as autoridades do IPHAN e do seu Conselho Consultivo já não consigam dormir, em face das suas responsabilidades (…).
Um Central Park tropical III
Dois importantes colaboradores e o rompimento de uma grande amizade
Lota despachava num barracão de obras provisório junto a Área de Piquenique original. O local era desconfortável e ficava em meio ao ermo do parque ainda em construção.
Foi ali que Lota recebeu uma nova colaboradora: Ethel Bauzer Medeiros, que lhe fora indicada por um órgão internacional de recreação. A princípio reticente, Ethel logo se deixou cativar “pelo gesto de Lota, pioneiro no país: chamar um educador desde o início do planejamento de um parque.”
Lota não tencionava construir um parque convencional “com chafariz, bancos, estátua e brinquedinhos para crianças”. Idealizava um espaço que contribuísse para a melhoria da qualidade de vida de seus frequentadores. Resulta daí que os playgrounds deveriam ser pensados como lugares de educação continuada. (Hoje, a área destinada ao bosque de pic-nic foi destruído pelo “dono” da pedaço do Parque, chamado de Marina da Glória).
Ethel propôs espaços específicos para os bebês, crianças, adolescentes e idosos, com um número significativo de áreas livres que proporcionassem a todos a sensação de não estarem em meio ao trânsito de automóveis.
Com a inclusão de Ethel no Grupo de Trabalho, surgiram as primeiras dissidências. Roberto Burle Marx abespinhou-se com o fato de Ethel ser a responsável pelos playgrounds. Jorge Moreira aderiu à dissidência e ficou um bom tempo estremecido com Lota, que não deu muito importância ao fato, pois tinha outras prioridades em que pensar.
Dentre elas uma crucial: conseguir o tombamento do parque pelo Patrimônio. Embora ainda não concluído, mas apenas projetado, Lota via nesse instrumento jurídico a única salvaguarda da área contra a sanha da especulação imobiliária. Com esse fim, encaminhou pedido formal ao diretor de Patrimônio, Rodrigo Melo Franco de Andrade.
Matou mais esse leão. Faltavam muitos outros de diversas ordens. Mas, das cargas, talvez a mais pesada de segurar e ser absorvida foi a campanha de difamação promovida por Roberto Burle Marx.
Desde a contratação de Ethel Bauzer Medeiros, seguida do projeto de iluminação de Richard Kelly, que ele chamava de Abajurlândia, Burle Marx partia para duras ofensas pessoais referindo-se à Lota como pequena ditadora ou Joana D’Arc do Aterro.
Essa artilharia, talvez fosse uma resposta às decisões tomadas por Lota em prol da economia de recursos públicos, ao aconselhar a Sursan que procurasse outras empresas para fornecer grama para o Parque, que não a de Burle Marx, pelo fato de esta propor preços astronômicos por m².
Em carta enviada ao jornal O Globo, em resposta às críticas assestadas por Burle Marx, Lota arrematava: “Essa ‘prepotência’[a ela atribuída por Burle Marx] deu ao Estado uma economia de mais de cem milhões de cruzeiros, o que naturalmente mudou a opinião que tinha o Sr. Roberto Burle Marx do meu temperamento, antes tão apreciado.”Razões de Estado e Razões do Afeto entrelaçadas começavam a minar a saúde de ferro da miúda e franzina criatura, toda nervos, toda luz. O Parque do Flamengo, aos trancos e barrancos se tornava uma realidade, como também era real que tirava de Lota de Macedo Soares as energias necessárias para ficar de pé.
No próximo bloco: Do entulho surge um imenso parque
Isso mesmo. Estamos nessa…
Saudosa Lota. Uma mulher fantástica e inovadora para sua época. Enfrentou as maiores dificuldades para trabalhar e mesmo assim conseguiu realizar seu sonho. Que acabou transformado em realidade. Precisamos preservá-lo antes que seja descaracterizado. Zangaltrevas Souza RJ