Autódromo no Rio: Prefeitura faz manobra em aposta de alto risco
Manobras processuais da Prefeitura, administrativas e judiciais, podem não ser suficientes para derrubar as 150 mil árvores na Floresta de Camboatá, na tentativa de se reconstruir o megaprojeto de um autódromo privado, agora no bairro de Deodoro, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Isto porque, está nas mãos da Justiça Federal o pedido de liminar para suspender a assinatura do contrato entre a Prefeitura e a empresa vencedora (única a se candidatar) – JR Pereira -, resultado da concorrência feita a “toque de caixa” pelo Município.
Derrubar a Floresta de Camboatá sob o pretexto de ali fazer um autódromo é um jogo de risco supostamente calculado, tanto para a Prefeitura, como para a empresa única candidata. Ambas acompanham os processos judiciais e administrativos que tramitaram no Estado, na Prefeitura e na Justiça Federal, e que já exigiram o prévio Estudo de Impacto Ambiental não só para o licenciamento do projeto, mas, sobretudo, para verificar se aquela área seria a única e a adequada para a realização da pretensão desse equipamento privado (o autódromo).
No último dia 17 de maio, uma sexta-feira, o Ministério Público Federal propôs uma nova Ação Civil Pública (ACP_2019), pedindo à Justiça Federal uma liminar para suspender a licitação. Parte da área pública (de cerca de dois milhões de m2) seria cedida, por 35 anos, ao projeto do autódromo privado e de seus equipamentos; e outros 40% da área, ou seja, até 800 mil m2 de terreno, destinados à doação em pagamento para exploração imobiliária privada (Ver blog O tal “Autódromo” de Deodoro terá sim dinheiro público ! ).
Única concorrente – No entanto, no dia 20 de maio, a Prefeitura realizou a sessão de habilitação da concorrência pública e, logo após, abriu imediatamente a proposta da única concorrente. Já no dia seguinte, numa eficiência nunca vista, e sem publicar os resultados para eventual recurso de terceiros, adjudicou e homologou o resultado da licitação!
É evidente que o pedido de liminar solicitado pelo MPF na ACP_2019 de 17 de maio não alcançou suspender a licitação ocorrida no 1º dia útil seguinte. O juiz da 1ª Vara Federal, reconhecendo o fato, determinou que se “emendasse” a petição inicial, o que já foi feito pelo MPF, incluindo no processo a empresa candidata ao contrato, e pedindo agora a suspensão da assinatura do contrato.
A falta de Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) por parte da Prefeitura
É de assinalar que a concorrência feita pelo Município foi realizada sabendo-se perfeitamente que o correto seria fazer o prévio Relatório de Impacto Ambiental – EIA-Rima, pela Prefeitura, inclusive para verificar se o projeto poderia ou não ser viabilizado no local.
Isto já havia sido decido em ação judicial anterior (ACP_2012), contra o Estado do Rio de Janeiro e o INEA. Mas, o Governo Municipal atual fez-se de desentendido, e o concorrente vencedor também. Apostam no risco, e empurram os procedimentos administrativos tentando criar situações de fato que simulem constrangimentos de situações constituídas.
Fato é que o contrato, resultado da licitação homologada, pode sim ser suspenso, já que nada obriga que o Município o realize, caso seja verificada sua impossibilidade, seja ambiental, seja urbanística, seja econômica ou administrativa. E, caso haja prejuízos, os administradores responderão pelos riscos de seus atos de aposta.
A contrapartida econômica ainda não aprovada
E parece que além da ausência do EIA-Rima, de responsabilidade da Prefeitura do Rio, a licitação foi realizada sem que ao menos estivesse garantida a possibilidade de doação da área pública ao empreendedor privado, como contrapartida econômica.
Isto porque, ao contrário do veiculado amplamente na mídia, há sim contrapartida de recursos públicos, sob a forma de terras públicas para empreendimento imobiliário privado: até 41% da área total dada ao empreendedor para seus negócios privados. Esta área jamais reverterá ao poder público.
Para que uma área pública seja dada a um ente privado é necessário autorização legislativa. E ainda não há esta autorização da Câmara Municipal.
Aliás, não consta nem mesmo proposta de lei tramitando neste sentido. E, até onde depende da decisão do Tribunal de Contas do Município (TCMRJ), na sessão gravada de aprovação do edital (26ª sessão ordinária TCMRJ) , não será permitida a assinatura do contrato sem antes a Câmara aprovar a doação dos terrenos. E, como isto se faz por projeto de lei cabe a pergunta; quem garante que a Câmara aprovará? O prefeito manda nos vereadores?
Se a CMRJ não aprovar a doação da área pública ao particular, também não haverá contrato!
Interessante notar, para quem tiver curiosidade em ouvir a sessão do Tribunal de Contas do Município (TCMRJ) é que a licitação foi realizada sem que, de fato e de direito, a tal área, que pertence à União, tenha ao menos passado ao patrimônio do Município. Parece que o documento assinado pelo Presidente Bolsonaro, e divulgado na mídia, foi apenas um Termo de Intenção. O procedimento administrativo federal formal de transmissão da área federal para o Município ainda tramitava no órgão do patrimônio da União, sem ter sido concluído 10 dias antes da licitação (parece que não foi até hoje).
E mais. Aos 54 minutos da gravação, no voto do Conselheiro relator do edital, este afirma que a aprovação do edital se faz em função de avaliação de valores estimados, atestados pelo Secretário Municipal de Infraestutura e Habitação, ainda que “o nível de detalhamento [constante do edital] não permita avaliar a coerência dos valores lançados e o ante-projeto proposto“. (grifos nossos)
Pasmem! Isto em um edital de R$ 800 milhões, envolvendo doação de terras públicas como contrapartida, e derrubada de floresta de Mata Atlântica! Isto que é improvisação! Desta vez não é uma ciclovia que cai, mas uma floresta que pode ser derrubada para sempre.
Em conclusão de mais este capítulo: governo municipal e empresário privado jogam alto, numa aposta temerária. A conferir as próximas decisões da Justiça!