Buenos Aires: preservando a cidade através do planejamento urbano
Sendo carioca, ir a Buenos Aires me dá uma enorme nostalgia pelo Rio que já perdemos e por aquele que ainda estamos prestes a perder.
Estive lá na última semana e fiquei em um hotel na Avenida Callao, bem no Centro, quase ao lado do Congresso. E a cidade, neste grande núcleo, continua com a cara de Buenos Aires, com seus os cafés e confeitarias, seus teatros tradicionais da Corrientes sem ameaças de demolição, suas livrarias, com Palermo cada vez mais bonito, alegre e conservado.
A carteira de identidade da capital argentina não precisa mudar sua foto para ser identificada como Buenos Aires. E nós amamos aquela cidade exatamente porque quando lá vamos sabemos que vamos encontrar Buenos Aires e não Dubai ou Nova Iorque. Talvez, sim, um pouco de Paris.
Desta vez resolvi ter uma conversa com meu amigo, o professor urbanista Eduardo Reese, para saber dele o motivo de Buenos Aires conseguir conservar esta paisagem cultural urbana que é o seu movimentado centro. Minha perplexidade era motivada pelo fato de que Reese sempre se queixou comigo da falta de leis de preservação cultural em Buenos Aires.
Meu amigo sempre quis, para a Argentina, leis de preservação cultural como as brasileiras: fortes e contundentes, como o decreto-lei 25/37, que até hoje baliza a preservação no Brasil.
Mas se a Argentina não tem uma lei forte de preservação do seu patrimônio cultural urbano, como Buenos Aires é tão mais preservado do que o Rio?
Planejamento urbano – Conversando com Reese chegamos a conclusão de que o grande centro urbano de Buenos Aires, com seus edifícios do final do século XIX até meados do século XX foram todos conservados pela funcionalidade das leis de planejamento urbano.
Segundo ele, salvo alguns imóveis específicos, não há lei de impeça a demolição. O que acontece é que as leis urbanísticas não induzem a demolir o que já está construído. E isso acontece ou pela manutenção da altura dos prédios já existentes ou pela rigorosa exigência de que, para se construir mais alto, seria necessário comprar quase meia quadra para um só prédio!
Então, o resultado é que o que foi construído, e que continua como propriedade particular, tornou-se, pela manutenção do seu planejamento urbanístico, também um patrimônio público: a paisagem cultural urbana que identifica a cidade como Buenos Aires!
Mesmo o referenciado projeto do Porto Madero, próximo ao grande centro mantido, não afetou a lógica da sua conservação. É que Porto Madero, era uma área pública, quase totalmente vazia de construções (ao contrário do Porto do Rio).
O antigo Porto do Rio da Prata, em Buenos Aires, foi deslocado para outro local distante por conveniência técnica de profundidade. E isso provocou, como em Londres, a completa decadência de toda a área portuária pública.
O Rio do Porto Maravilha tenta copiar o Porto Madero, sem ter os mesmos pressupostos fundiários, econômicos e urbanísticos existentes no projeto argentino. Mas, sobretudo, sem copiar de Buenos Aires a predisposição para conservar a paisagem cultural construída da cidade que lhe circunscreve.
Na contramão da preservação
Temos, no Brasil, leis de preservação de patrimônio cultural mais fortes do que as leis argentinas. Contudo, nossas leis urbanísticas militam em sentido contrário às da preservação da paisagem cultural cidade. As leis urbanísticas incentivam fortemente a demolição da cidade construída, por garantirem sempre alturas cada vez maiores nos locais já urbanizados, e em lotes do mesmo tamanho!
O caso do Cine Leblon é emblemático nesta lógica perversa, onde a preservação é apenas um capítulo passageiro à espera de um processo futuro de desconstituição da proteção, para receber uma nova configuração em substituição ao antigo espaço tradicional.
Embora o Rio tenha ganho o título de Paisagem Cultural da Humanidade, atribuído a uma mínima parte do seu território, questiono: conseguiremos manter e honrar este título por muito tempo?
Espero que sim, pois quero não mais ter a nostalgia de um Rio onde se podia ver o céu, as montanhas, ter brisa sem barreiras, sol nas calçadas e pássaros sem medo de bater em torres de vidro ao voar.
Um Rio com cara e identidade do Rio. E não de Dubai!
Continuo minha pesquisa sobre a efetividade da norma jurídica de preservação do patrimônio tendo como focos as cidades do Rio de Janeiro e Buenos Aires. Por ocasião de minhas idas e vindas em Buenos Aires tive a oportunidade de conversar com HUGO LEGUIZAMÓN, professor universitário e Arquiteto da Secretaria de Planeamento, do Ministério de Desenvolvimento Urbano local, que em um primeiro momento também considerou que a preservação do patrimônio histórico e cultural argentino deixava a desejar em relação à legislação brasileira.
Com o desenrolar da conversa, chegamos a conclusão de que apesar da leis brasileiras terem “aparente” efetividade, a legislação argentina consegue garantir uma paisagem urbana muito mais homogênea, com exemplos representativos da memória e da história de formação urbana totalmente preservadas.
Temos no Rio de Janeiro vários exemplos de descaso em relação ao patrimônio histórico edificado, como por exemplo o Largo do Boticário, o Hotel Glória, dentre tantos ícones da arquitetura que encontram-se totalmente degradados. Lamentável situação!
Em contrapartida a memória e a história em Buenos Aires permanece viva! O progresso de Porto Madero não apagou os exemplos de um passado que permanecem presentes em San Telmo, na Corrientes,no Caminito, na Praça de Mayo, etc .
Fica a reflexão. O título de Paisagem Cultural da Humanidade para ser mantido, carece de Políticas Públicas efetivas de preservação de nosso patrimônio. Continuamos lutando….Renata Costa.