Campus Fidei e as licenças licenciosas
Foi noticiado (26 de julho): O encharcado “Campus Fidei foi erguido em (…) área considerada de Preservação Permanente”. O manguezal foi aterrado apesar dessa tipologia de vegetação ser considerada, por lei, de preservação.
Quem licenciou? Houve parecer técnico da área ambiental, de preferência não ocupante de cargo em comissão? A conferir.
Foi noticiado (24 de julho): Prefeitura assumirá a construção do novo Autódromo em Deodoro, em área de proteção ambiental e de Mata Atlântica. O projeto, que teria licença do Instituto Estadual de Ambiente (Inea), foi rejeitado pelo próprio Conselho de Meio Ambiente da Prefeitura – Consemac – que, em face da autorização do órgão estadual de Meio Ambiente, resolveu não publicar a portaria aprovada, que não indicava qualquer construção do equipamento no local.
Quem dará a licença de construção? O prefeito, de próprio punho? E ele tem poderes para tal? Claro que não.
Foi noticiado (15 de julho): O Iphan teria deferido a construção de um mega hotel em plena Floresta da Tijuca, área pública federal, tombada. No local onde existia o antigo Hotel das Paineiras, fechado há décadas.
Só que a nova construção é muito maior, inclusive com escavação de rocha, pelo que dizem. A autorização do Iphan foi dada com parecer de técnico do corpo permanente do órgão ou por titular de cargo de confiança, exonerável, portanto, pelo interesse político momentâneo?
Acertou quem marcou a última hipótese: autorização dada pelo titular do cargo em comissão, contrário ao parecer técnico.
E a licença dada pelo Iphan para demolir os Estádios Célio de Barros e o Júlio Delamare, bens públicos integrantes da ambiência protegida do Estádio do Maracanã, quem deu? Acertou quem respondeu os titulares dos cargos em comissão, demissíveis a qualquer hora pelo político de plantão – o superintendente do Iphan no Rio, com o nada a opor da Presidência do órgão em Brasília.
A lição – A licenciosidade das licenças e das autorizações administrativas é fruto, quase sempre, de atos de ocupantes de cargo em comissão que, por ocuparem tais posições, entendem, incorretamente, que podem se substituir aos funcionários públicos efetivos e concursados dos órgãos que comandam.
Este não é o espírito da lei. Quando a Constituição Federal de 1988, em seu art.37, estabeleceu que a Administração Pública seria provida em suas funções contínuas por servidores públicos concursados em carreiras, ela não pretendeu fazer dessas funções um nada, uma letra morta.
São os servidores concursados que têm, portanto, a missão constitucional de prover os serviços públicos e garantir a sua continuidade segundo os critérios técnicos e discricionários. Aos chefes, titulares de cargos em comissão, cabe coordenar, supervisionar e orientar os serviços e não substituir os servidores públicos quando estes, no exercício regular dos seus cargos efetivos, dão pareceres e encaminhamentos contrários aos interesses políticos imediatos.
É esse peso e contrapeso que garante a idoneidade dos critérios técnico-administrativos na Administração Pública.
É isso que acontece na Justiça, onde o desembargador, membro do Judiciário, pode rever, mediante ao devido procedimento, a decisão do juiz de 1º grau, mas não substituir-se a ele.Nem pode o presidente de um Tribunal avocar a si os processos que vier a entender que um juíz de 1º grau, ou o tribunal teria julgado mal ou errado.
E isso é o que deveria estar acontecendo também na Administração Pública. Mas não está.
Ameaça à cidadania
O abuso do número de cargos em comissão, criados sem limites, enfraquecem a máquina administrativa profissional, ameaçando a cidadania de todos, perante a administração pública.
Ficamos dependentes da vontade do novo “rei”, agora eleito, mas cheio de vontades que crê soberanas. Cabe, então, ao Judiciário, colocar os “pingos nos is”, invalidando as licenças e autorizações administrativas não respaldadas em pareceres de técnicos concursados, titulares de cargos efetivos, não suscetíveis de perdas de vantagens funcionais por serem titulares de cargos em comissão.
Com isso, não teremos as notícias diárias de licenças licenciosas.
Professora Sônia, muito lógicas suas observações e conclusões. Eu gostaria de perguntar como ficariam os princípios constitucionais no caso do Ministério Público, cujo procurador geral é indicado pelo governador e dá impressão de que pode avocar para si processos de tutelas específicas, se sobrepondo às subprocuradorias?
Sonia, Sua interpretação está correta, suas críticas procedem e espero que as sugestões devam ser acatadas !
Eu mesmo já exerci cargo em comissão junto à Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia no governo Moreira Franco, idos de 1989 / 1990. Superintendente de Estudos Especiais, para atuar na FLUTEC – Empresa Fluminense de Tecnologia. Terminado o mandato do Governador, e não sendo reeleito, os comissionados foram exonerados, deixando livres os cargos para o novo Governador eleito, Leonel Brizola.