“Visão cartesiana ou ecológico-sistêmica?”

Neste artigo, a arquiteta Gisela Santana faz uma análise sobre a recém-criada Área Especial de Interesse Ambiental no bairro da Freguesia, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio.

Divisões político-administrativas de uma cidade: visão cartesiana ou ecológico-sistêmica?

Por Gisela Santana

Fonte: Site Urbe CaRioca

“A recente publicação do decreto Nº 37.158 que cria a Área Especial de Interesse Ambiental da Freguesia em Jacarepaguá no Diário Oficial do Rio de Janeiro nos faz refletir sobre a lógica das divisões político-administrativas das cidades e a integração dos diferentes sistemas urbanos.

O decreto foi motivado pelos protestos dos moradores, pelos impactos urbanísticos, paisagísticos, culturais, viários e ambientais advindos do grande volume de novos empreendimentos imobiliários, e pela localização do bairro da Freguesia junto aos contrafortes do Maciço da Tijuca, na Zona de amortecimento do sítio Patrimônio da Humanidade na categoria Paisagem Cultural Urbana da Unesco.

A reflexão que propomos, passa pela não inclusão dos demais bairros do entorno e área do PEU – Taquara, já que os argumentos apresentados pelo decreto são compartilhados pelos bairros contíguos à Freguesia. Bairros como o Pechincha, Taquara, Tanque, Anil e Jacarepaguá, demais áreas circunvizinhas que também compõem o contraforte do Maciço da Tijuca, têm bens culturais tombados, testemunhos de várias fases da ocupação da área que data do século XVII e ainda apresentam qualidade paisagística e ecossistêmica, unindo os maciços da Tijuca e da Pedra Branca, por meio de um `istmo´ verde, que também compõe a recém-lançada Trilha ecológica, Transcarioca e o Projeto Corredores Verdes da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.

O decreto que cria a AEIA da Freguesia congela por 60 dias as novas licenças para demolição, construção, acréscimo ou modificação, reforma, transformação de uso, parcelamento do solo ou abertura de logradouro. Neste período, segundo consta no decreto, serão aprofundados estudos para possível definição de novos índices urbanísticos para a área do bairro estabelecida pelo decreto.

Esperamos que o tempo seja suficiente para análises tão complexas!

Apesar de o congelamento demolições e cortes de árvores continuarem ocorrendo no bairro. Como não foi divulgada nenhuma relação com demolições autorizadas, anteriores a publicação do decreto, a população continua sentindo os efeitos.

É preciso lembrar que o limite físico, político e administrativo da Freguesia, não corresponde ao limite simbólico, ecológico e funcional do bairro. Um exemplo claro de como isso ocorre está na variação do limite imaginário e a linha tênue que divide a Barra da Tijuca e o Bairro de Jacarepaguá. Por exemplo: no trecho dividido pela Av. Abelardo Bueno, onde de um lado se localizava o antigo Autódromo de Jacarepaguá e do outro, novos condomínios e empreendimentos se multiplicam. Simbolicamente, em suas publicidades, as empresas do mercado imobiliário incorporam esta área como Barra da Tijuca, porém para a divisão político-administrativa do município, a área corresponde a Jacarepaguá. A demolição da foto encontra-se justamente em uma área limite da poligonal definida pelo decreto da AEIA Freguesia. Aí fica a dúvida: Teria ou não a licença? Está ou não incluída no perímetro delimitado pelo decreto? Já tinha licença para a demolição?

Outro aspecto relativo à justificativa refere-se à manutenção da qualidade de vida e da paisagem, relaciona-se à questão funcional de saturamento e congestionamento do sistema viário. Por ser um sistema, compõe uma rede de vias interligadas, que se interconectam e se impactam mutuamente. A definição dos limites da AEIA não incluindo algumas vias, como a Retiro dos Artistas e a Edgar Werneck, por exemplo, onde existem áreas verdes de grande porte, não garante efetivamente a salvaguarda da qualidade de vida nem ambiental, nem funcional. As mesmas vias estão recebendo novos empreendimentos de gabarito elevado que obstruem a visão da Igreja Nossa Senhora da Pena, tombada pelo IPHAN. Ou seja, o limite definido não equaciona logicamente o problema, nem tão pouco a preservação cultural do bem tombado referido na justificativa do decreto, uma vez que os empreendimentos poderão continuar sendo licenciados na via e, consequentemente, obstruindo a visão da igreja e contribuindo também para o aumento do fluxo viário.

A mesma reflexão da interconectividade das áreas se relaciona aos ecossistemas e à paisagem. As aves, abelhas e outros animais que migram do Maciço da Tijuca para o Maciço da Pedra Branca e vice-versa não conhecem o limite da AEIA, seu horizonte não termina no limite político-administrativo definido pelo decreto, desta forma, a participação da Secretaria de Meio Ambiente é fundamental neste grupo de trabalho.

Além disso, as Áreas de Especial Interesse, definidas no Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável do Município `são espaços da Cidade perfeitamente delimitados sobrepostos em uma ou mais Zonas ou Subzonas, que serão submetidos a regime urbanístico específico […]´. Ou seja, o Plano Diretor sugere que as Áreas especiais prevalecerão e poderão se sobrepor a uma ou mais Zonas ou Subzonas.

Portanto, a AEIA da Freguesia pode perfeitamente incluir outras áreas, desde que a sua delimitação as contemple. Assim, a lógica cartesiana da divisão político-administrativa pode ser ampliada para uma visão mais sistêmica e ecológica da questão, para que as soluções possam ser mais efetivas, incluindo áreas contíguas referentes às conexões ambientais dos maciços, paisagísticas e funcionais dos bairros.

Em um primeiro momento, a população ficou feliz com a inciativa da publicação, porém tenho certeza que os moradores da Freguesia teriam imenso prazer em contribuir não só na fiscalização como em fornecer elementos para a salvaguarda do bairro com a oferta de mais informações e a criação de um canal de participação popular maior.

Fica a dica para que o poder público, representado pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade – IRPH e pela(s) secretaria(s) de Urbanismo e de Meio Ambiente (?) possam convocar a população para contribuir com o seu conhecimento empírico, muitas vezes tão valioso quanto o conhecimento técnico. Esperamos que a comissão possa atentar também para esses aspectos e considerá-los em sua análise e nas novas diretrizes que serão definidas nos próximos dias.”

* Gisela Santana, Arquiteta Urbanista, Mestre em Desenvolvimento Urbano, Doutora em Psicologia Social e autora do livro Marketing da ‘sustentabilidade’ habitacional.

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2 Resultados

  1. Cara Gisela,
    Nós da associaçao amigos do vale aracatu – aava – facebook/salvemocorregodoaracatu gostariamos de trocar experiencias e consultar sobre AEIA afim de lutar-mos aqui por isso.
    Agradecemos um contato.
    Fillipe martins

  2. Nome*Gilson da Silva de Souza disse:

    MUITO BOM!!! É disso que a natureza precisa. PARABÉNS. Agora, a população local tem que agir, em nosso benefício, pois aguardar que esse poder governamental convoque, só se for para arrumar dinheiro, eles acham que o verde do dolar nos dá qualidade de vida!!!

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