Embargos infringentes: o que diz o mestre dos mestres ?
O professor Flávio Bauer Novelli enviou-me, hoje, o texto abaixo sobre o assunto que todos discutem no Brasil, se há ou não embargos infringentes vigentes no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (STF).
Novelli, além de ter sido meu mestre na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), foi também de pelo menos dois destacados ministros do STF, Luiz Fux e Roberto Barroso, que estudaram na Faculdade de Direito desta Universidade, onde o professor era o titular de Direito Financeiro.
Agora aposentado, também lecionou Direito Constitucional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi procurador do Estado do Rio e membro de bancas de quase todos os concursos na área de Direito Público para docência nestas universidades.
Portanto, quando dois mestres titulares da Uerj – Barroso e Fux – divergem na interpretação da Constituição, nada mais interessante do que ouvir a simples e precisa palavra do mestre dos mestres.
Um recurso anacrônico e espúrio (A.P.470)
*Flávio Bauer Novelli
Ao final do laborioso julgamento da Ação Penal no. 470, encontra-se o STF ante uma questão que, à primeira vista, parece ensejar nova e – agora, a bem dizer – surpreendente situação, em que, o conteúdo final da decisão da Corte, a respeito da admissibilidade de “embargos infringentes” ao acórdão ali proferido, ainda pende do sentido do voto de um dos seus Ministros, o eminente Ministro Celso de Mello.
Essa sempre controvertida e singular – para não dizer excêntrica – figura recursal, a dos “embargos infringentes” – que, ao que sabemos, não encontra paralelo em outros ordenamentos processuais – remanesce, entre nós, no presente caso, como uma nova “mezinha” processual, só por força da inércia, ou seja, porquanto não explicitamente expurgada do texto do Regimento interno do STF.
Parece-nos, entretanto, dificilmente sustentável um tal entendimento, pois a alegada inocorrência, no caso, de revogação expressa daquela velha norma regimental, é, ao nosso ver, simplesmente irrelevante ou inócua como argumento pró-embargos.
E assim entendemos, porque esse anacrônico remédio- já agora evidentemente a serviço da infinda procrastinação da efetividade do julgado da suprema Corte – ainda que não formalmente ab-rogado, materialmente já decaiu ou caducou, em sentido jurídico, irremissivelmente, por absoluta falta de legitimidade constitucional.
De fato, em face do nosso ordenamento constitucional e, consequentemente, em face também do ordenamento processual civil, não subsiste, desde há muito, fundamento jurídico, algum a embasar esse remédio abstruso e ilegítimo.
Com efeito, a Constituição Federal reserva expressa e exclusivamente à União, mediante lei do Congresso Nacional (arts. 22, I e 48), o poder de legislar sobre direito processual. Assim, o Poder Judiciário, – e, notadamente, os Tribunais, inclusive, como não poderia deixar de ser, também, é claro, o STF, não têm, institucionalmente – se é que um dia a tiveram – competência para legislar sobre tal matéria.
Cabe, incontestavelmente, aos Tribunais, em virtude da sua autonomia constitucional, enquanto órgãos jurisdicionais, e com fundamento no poder normativo que necessariamente corresponde a essa autonomia, dispor em seus Regimentos Internos, de acordo com o art. 96, item I, da Constituição Federal – “com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes” – exclusivamente sobre as “interna corporis“, isto é, tão só sobre os assuntos de sua economia interna; e entre tais assuntos – escusado dizer – não há incluir a legislação processual, por isso que tal matéria, sem a mais mínima dúvida, refoge à sua competência constitucional.
Assim, se tal recurso – os embargos infringentes – por descuido ou inadvertência, porventura remanescem fisicamente no corpo do Regimento Interno do STF, cumpre se deixe claro que ali remanescem tão-somente como letra morta, como figura espectral de um recurso anacrônico, ou antes, juridicamente finado, e não podem, obviamente, servir de fundamento a uma decisão da Suprema Corte.
* FLÁVIO BAUER NOVELLI é antigo professor de Direito Constitucional e de Direito Financeiro das Faculdades de Direito da UERJ e UFRJ.
Nada como a voz sensata respaldada em conhecimento sólido e claramente enunciado, diferente deste Direito Casuístico a que viciosamente somos obrigados a nos acostumar, deixando-nos perplexos e impotentes…