Função do Estado: Bem-Estar ou Economia? Economia ou bem-estar?

Qual é a competência preponderante do Estado para agir, por leis e ações executivas, no âmbito da economia ou do bem-estar coletivo?

A União deve relaxar as regras de cuidado ambiental em favor da aceleração da Economia? O Município do Rio de Janeiro deve permitir a ocupação das calçadas públicas para favorecer o comércio de bares afetados economicamente pela Covid-19?

São duas perguntas que expõem o conflito permanente e a prática diária dos legisladores e do Executivo em saber se as ações deles, enquanto agentes do Estado, devem favorecer primeiramente a Economia ou o bem-estar dos cidadãos. Eis uma reflexão, com base apenas nas regras básicas da Constituição Federal:

1. É a Constituição Federal quem estabelece as áreas nas quais o Estado (leia-se Legislativo e Executivo, no caso) devem e podem agir. Compreende-se que, na teoria, se o Estado pode agir, ele tem também o dever de agir. Exemplificando: se o Estado tem competência para proteger o meio ambiente através de regras (leis) e ações (execução), ele não só pode, como deve fazê-lo. Outro exemplo: se o Estado pode estabelecer regras para o bom uso e funcionamento das cidades, através do urbanismo, ele não só pode, como deve fazê-lo. Resumindo; o poder concedido ao Estado em determinada área de competência impõe também um dever de ação com este objetivo.

2. No campo econômico, no entanto, seja em nível federal, estadual ou municipal, a Constituição Federal diz, expressamente, que a ordem econômica é fundada no princípio da livre iniciativa, do livre exercício, da livre concorrência e no princípio da não intervenção do Estado nas atividades econômicas, salvo nos casos previstos em lei para proteção de outros interesses públicos também resguardados e previstos na própria Constituição (arts.170 e segs da CF)*.

Os dois lados do princípio da liberdade econômica

O princípio da liberdade econômica tem a sua garantia de liberdade de ação e não intervenção para todos os efeitos: tanto para que as iniciativas dos cidadãos privados sejam  de acordo com os seus desejos, respeitando, obviamente, as regras que garantem que as atividades econômicas privadas não afetem os bens e o interesse coletivo, como também sabendo que esta liberdade tem o outro lado da moeda, ou seja, os riscos inerentes ao negócio, seja por conta de imperícia daquele que o empreende, seja por motivos da “vida”, que em direito são chamados de casos fortuitos ou de força maior, que é o caso da Covid-19.

Assim, o princípio da liberdade econômica tem dois lados que cabe ao Estado resguardar: a liberdade de empreender e os riscos daquele que o faz não conseguir dar certo em seu empreendimento, seja por motivos próprios ou alheios à vontade de quem o faz.

O paradoxo

Se a ação do Estado é obrigatória na proteção de interesses coletivos da sociedade, como a prestação de serviços públicos de Saúde, Educação, Mobilidade, e todos os demais, como também é obrigatória na proteção e fiscalização de interesses coletivos como o Meio Ambiente, o Patrimônio Cultural, o bem-estar e o funcionamento das cidades para todos, a atuação do Estado na Economia é apenas subsidiária, já que esta, a Economia, não está no âmbito de sua função principal. A Economia, ou a ordem econômica, segundo a Constituição, é matéria da livre iniciativa privada!

O discurso de salvar a Economia se apresenta hoje, e desde sempre na história do Brasil, como sendo a grande missão do Estado, seja na dimensão do governo federal, nos grandes negócios e empresas, liberando a fiscalização ambiental para dar celeridade aos negócios, seja no pequeno universo de cada município, quando os vereadores, ao invés de cuidar do bem-estar dos cidadãos que transitam nas calçadas, incorporam a missão de “salvar” a economia dos bares, permitindo que eles ocupem parte do espaço público em frontal detrimento do bem-estar coletivo do sossego e da segurança de mobilidade dos pedestres.

Ou seja, em ambos os casos, os agentes públicos do Legislativo e do Executivo renunciam à competência e a obrigação principal – o interesse coletivo -, para se arvorarem em ações que julgam como melhores para os negócios privados, ainda que tenham que sacrificar interesses coletivos, constitucionalmente protegidos, e a sua obrigação principal de competência.

Então, que fique claro; a principal missão constitucional do Estado são os interesses coletivos. Implementando-os e protegendo-os será possível garantir o bem-estar social e, por conseguinte, uma boa economia para todos.

* Ver também ADI 2.811 RS _ 2019

4 Resultados

  1. Miriam Danowski disse:

    Beleza de artigo, Sonia! Muito oportuno lembrar qual é afinal o âmbito legal de atuação do Estado, nesse momento tão enevoado. Mas o que acontece quando o Estado atua como agente econômico e sócio de certos interesses privados e não como mediador, em defesa do interesse coletivo?

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