Inflação imobiliária no Rio: prefeito culpa o patrimônio cultural

O prefeito do Rio, em entrevista ontem pela internet, culpou as Áreas de Preservação do Ambiente Cultural (APACs) de serem as responsáveis pela estratosférica escalada inflacionária dos preços dos imóveis no Rio de Janeiro. Simplório ou inconsequente?

resizeAo responder a uma pergunta sobre a sua responsabilidade na condução das políticas urbanas, sobre a falta de oferta de moradia a preços acessíveis e sobre a escalada dos preços dos imóveis, inclusive para locação, o prefeito declarou que as APACs impedem a maior oferta de imóveis, e isso faz com que os preços imobiliários aumentem.

Não sabemos de onde o prefeito tirou esta ideia, que é uma forma, no mínimo, simplória de tentar explicar uma questão complexa e que envolve diretamente a inexistente política de planejamento urbano do Município do Rio.  

Em todo caso, é uma justificativa temerária vindo de um prefeito, pois induz a população a pensar que a culpa pela alta dos preços de moradia é a preservação do patrimônio cultural. Então, “abaixo o patrimônio”, é o que todos vão pensar.

E essa vai ser a glória final do demolidor imobiliário no Rio.

Não se pretende aqui explicar exaustivamente que o patrimônio cultural da cidade não é o “mordomo do crime”. Ou seja, aquele que leva a culpa quando não se quer buscar ou apontar o verdadeiro culpado.  Estão querendo demitir o mordomo e por isso o culpam? Ou seja, demolir o que resta do patrimônio cultural?

Contudo, não podemos deixar de mencionar um importante fator político relacionado à questão da inflação imobiliária na Cidade, ocorrido na gestão do prefeito Paes.

Plano Diretor

Quando em 2009, o prefeito do Rio promoveu, junto à Câmara do Município, a aprovação do novo Plano Diretor (Lei Complementar 111/2011), a grande mudança operada em relação ao plano anterior, de 1992, foi a eliminação da aplicação do “solo criado” na política geral de planejamento da cidade.  

Foi uma mudança na contramão de todas as diretrizes previstas no Estatuto da Cidade e que preconizam especialmente a “justa distribuição dos ônus e benefícios do processo de urbanização” (art.2º, inc. IX da lei 10.257/2001).

O solo criado, hoje denominado pelo Estatuto da Cidade de “outorga onerosa do direito de construir”, com índice básico 1 aplicável a toda cidade, conforme previsto no art. 23 e seguintes, da Lei Complementar 16/92, não foi reproduzido no novo Plano Diretor.  

Essa era a expectativa e a grande demanda do setor imobiliário da Cidade, que queria ter a segurança da continuidade de sua apropriação privada dos lucros imobiliários (mais valias)  produzidos pelo setor público, seja como fruto da legislação, seja decorrente das inúmeras obras públicas a serem realizadas.

Com isso, a Cidade perdeu, para o especulação, uma das mais importantes fontes de recuperação de receita, proveniente dessas mais valias urbanísticas e, sobretudo, perdeu também uma das mais importantes formas de controle de preços do solo na Cidade.

Deu no que deu. Ou no que está dando. E pode piorar.

A desconstrução do planejamento urbano no Rio continua

Cinco códigos urbanísticos foram enviados para a Câmara Municipal sem qualquer participação popular nas discussões para a sua elaboração. Portanto, temos que ficar com o “olho vivo”, pois não se pode culpar o já minguado e desprotegido patrimônio cultural da cidade pelas elaboradas manobras urbanísticas que enriquecem alguns a custa da falta de controle público sobre o solo urbano.

No estado que está o patrimônio cultural do Rio podemos perguntar: por que o prefeito está chutando o cachorro já quase morto? Para matá-lo de vez?

Confiram no leia + parte de transcrição da entrevista.

  Confiram também:

“O tomate, o imóvel e a inflação”

“Fabricia Ramos – Formada em Direito pela PUC do Rio – Mestranda de Políticas Publicas da UFRJ
 
Pergunta sobre as APACs (9 min 20)
 
Contradição entre o discurso da venda da Cidade Olímpica como uma coisa positiva para o carioca, quando na verdade o que o carioca tem experimentando nos últimos anos é o encarecimento bastante grande da cidade (…). Essa venda é positiva ou não é positiva para o carioca ?
 
Resposta (sobre as APACs): 14 min 48
 
O encarecimento da Cidade é um fato. O Rio se valorizou, passou a ser uma cidade mais da moda, isso gerou descontrole. Você tem uma rede hoteleira, por exemplo, que (…) há muito pouco oferta. Eles funcionam operando muito junto, jogam as tarifas lá em cima. Isso não para o cidadão, é para o turista que vem pro Rio.O mercado imobiliário no Rio ficou muito caro. 
 Você pega o grau de encarecimento da Zona Sul, ele é fruto de uma valorização do Rio, do processo de pacificação, mas ele é fruto também de boa parte dos moradores da Zona Sul que não admitem (…). A Zona Sul está toda tombada.Na hora  que você está com tudo tombado, você não pode ter mais oferta, e a procura é muito grande das pessoas que vão morar na Zona Sul, naturalmente os preços vão pra lua. Quer dizer, faço uma defesa explícita, e isso é um debate que a cidade precisa fazer, as cidades modernas do mundo passaram a fugir da ótica do não adensamento. Quanto mais você adensa, melhor fica a cidade, você cresce perto do Centro. 
Um pouco a lógica do Porto Maravilha (…) você abriu uma nova fronteira perto do Centro pra servir um pouco de mais oferta no mercado. 
Você tem de fato um processo de encarecimento da cidade que eu diria que tem muito mais a ver com essa valorização do Rio com qualidade com defeito. Aí é um processo de ajuste, como é que a gente regula isso sem deter os instrumentos macroeconômicos.
 
Complemento: 18min 30
Se você encontrar uma obra minha na Zona Sul eu te dou um prêmio.Todos os grandes investimentos que eu fiz na cidade são basicamente no subúrbio e na Zona Oeste da cidade. O bairro que mais valorizou nos últimos anos foi Brás de Pina.O segundo bairro foi Madureira. A maior valorização na Cidade não é no Leblon.(…)Não é verdade que a Zona Sul foi a que mais se valorizou. (…) Uma média de 70% dos investimentos são na Zona Norte e Oeste.
 
Obs do Meu Rio:
 

Uma das maiores críticas atuais dos cariocas é em relação ao encarecimento da vida na cidade. Ultimamente, o preço de se viver no Rio de Janeiro está se tornando insustentável para parte da população, que se afasta cada vez mais do centro do Rio.A prefeitura, se encarasse esse problema como prioridade, poderia usar de vários mecanismos para evitar isso. Várias cidades do mundo, como por exemplo Nova Iorque, tem mecanismos para conter a alta de aluguéis. Além disso, outros preços poderiam ser fixados pela prefeitura: como transporte, tarifas sociais de luz entre outros.”

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3 Resultados

  1. Grace Elizabeth de Oliveira Cruz disse:

    Cara Sonia Rabello,
    Parabéns pelo seu texto! Que bom existir pessoas com a sua qualidade para “gritar” contra coisas tão abomináveis.
    É mesmo chocante o que acontece no Rio de Janeiro nesta área imobiliária. Mais assustador ainda é ver que o prefeito que deveria ser o gestor responsável por sua preservação cultural, além de zelar pela qualidade de vida das pessoas, é o primeiro a levantar uma hipótese tão absurda. Do jeito que as coisas se encaminham daqui há pouco o Rio terá ainda mais “favelas”, pois a classe média que, praticamente já desapareceu precisará “inventar” lugares para morar.
    Abraços,
    Grace Elizabeth

  2. Acho melhor – a pessoa que quer se candidatar a um cargo de prefeito -estudar a cidade e o meio (inclusive o ambiental) só depois – fazer uma prova – e se souber um mínimo – e for aprovado – se candidatar a ser candidato. Que tal bolarem uma Lei a respeito? Acredito que muitos ficarão pelo caminho e nós nos livraremos disto…

  3. Culpar e proibir são os motes de uma administração incompetente.
    Resta saber se as proibições são para benefício próprio e a culpa, para usufruir livremente desses benefícios em um refestelamento ignóbil.
    Depois que se está escolado em construir desculpas esfarrapadas para o povo, o objetivo deste tipo de gente já deixou de ser a cidade e sua população, há muito…

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