Justiça Federal desfaz o contrato de uso comercial da Marina da Glória

Novíssima decisão, publicada em 24 de maio de 2013, pela 11ª Vara da Justiça Federal, é o mais novo capítulo nessa história cujos pingos nos “is” vão sendo postos também pela Justiça.

(…) “… desconstituir o Contrato nº 1.713/96, de concessão do uso das instalações, da exploração dos serviços com finalidade comercial, da gestão administrativa e da revitalização do Complexo Marina da Glória, firmado entre o Município do Rio de Janeiro e a EBTE – Empresa Brasileira de Terraplanagem e Engenharia S.A, cessando seus efeitos a partir de sua celebração.” – Assinado: Vigdor Teitel – Juiz Federal da 11ª Vara

Esse é o resumo da decisão em mais um processo judicial –  uma Ação Popular impetrada por vários cidadãos, em 1999 (Processo nº 0059982-10.1999.4.02.5101 (99.0059982-9) -, relativo ao (mau) uso que foi e está sendo dado à área da Mariana da Glória, no Parque do Flamengo, e que agora alcança o seu primeiro resultado concreto.

Os fundamentos da sentença (mais de 50 paginas), que levaram o juiz federal a desconstituir o contrato de revitalização da Marina, nos explicam que não se pode desvirtuar as finalidades náuticas do local, razão de ser da cessão da área ao Município em 1984.

Essa cessão foi justificada, à época, pela realização do projeto de Amaro Machado, denominado Marina-Rio, e cujas plantas encontram-se no processo. Note-se que esse prédio , de 1600 m² seria, pela proposta atual, demolido e substituído por outro, com o dobro de altura e de 20 mil m² de construção !

A seguir, os interessantíssimos trechos da decisão judicial, que falam por si, e cuja íntegra encontra-se no link ao final do texto.

Trechos da sentença, com grifos nossos

(…) “A exploração comercial da Marina da Glória está diretamente relacionada com sua aptidão natural (eminentemente náutica) e com a observância dos interesses coletivos dos usuários do local, não se concebendo que o desenvolvimento de atividades comerciais em uma marina se identifique com a exploração de empreendimentos e complexos comerciais, sendo lícito compreender, por genérica em demasiado a descrição da norma editalícia, que equivaleria até mesmo à exploração inerente a um shopping center. (…) p.45

P.51 e segs: “Como já explanado, no contrato de concessão de uso outorga-se ao particular o uso de um bem público, para que o explore, segundo a sua destinação original. No caso da Marina, a finalidade de sua utilização está relacionada à vocação natural do local, eminentemente náutica. É o que se depreende, tanto do espírito da cessão levada à efeito pela União, quanto pelo Regulamento da Marina da Glória, que integrou o edital de Concorrência nº 002/96 e o Contrato nº 1.713/96 (fl. 96):

Capítulo II – FINALIDADE DA MARINA DA GLÓRIA

Seção I – Da destinação da Marina da Glória

Art. 3º – A Marina da Glória destina-se a acolher embarcações de esporte e recreio, bem como prestar serviços a seus usuários e à comunidade em geral.

Art. 4º – Em situações de emergência, poderão ser acolhidos outros tipos de embarcações que não se enquadrem na categoria de esporte e recreio, cuja permanência estará limitada ao tempo necessário aos reparos essenciais, a despeito do pagamento das tarifas que sejam devidas.’

A descrição dos serviços, constante do item II do Projeto Básico e Estudo de Viabilidade Econômica, que também compôs o edital do certame (fl.101), orrobora a finalidade da Marina voltada à consecução de atividades náuticas:

‘- CONCEPÇÃO DO PROJETO:

Especificamente, serão delegados os seguintes serviços:

a) incentivar a prática amadorista dos esportes náuticos, promovendo torneios e competições do gênero;

b) criar e manter serviços que facilitem a atracação, a estadia e o abastecimento de embarcações de turismo e lazer;

c) apoiar as operadoras e transportadoras turísticas na promoção de passeios marítimos, facilitando o embarque e o desembarque de passageiros através do seu terminal;

d) manter e conservar as instalações da Marina em estado de segurança, conforto e funcionalidade;

e) planejar, administrar e controlar as atividades relativas à segurança interna, transportes, portaria, zeladoria, secretaria, recepção e operação da Marina;

f) vender ingressos, receber dinheiro, bens e valores;                                                                                                                                

g) arrendar seus equipamentos e instalações, quando no atendimento de seus objetivos;                                                                                                    

h) promover cursos, palestras e exposições sobre esportiva náutica;                                                                                                                      

i) manter ajustes com instituições congêneres nacionais e estrangeiras.”                                                                                                                                                                                                                         

Veja-se, ainda, que segundo o próprio Projeto Básico e Estudo de Viabilidade Econômica, elaborado pelo ente municipal, o fomento de atividades comerciais deveria ser feito dentro da área enfitêutica, nos exatos limites do contrato de cessão (fl. 102).  Note-se, por oportuno, que depois de celebrado o Contrato nº 1.713/96, foi elaborado Regimento Interno da Marina (aprovado pelo Decreto Municipal nº 15.460, de 09.01.1997 – fls. 258/265), na qual restou suprimida a finalidade da Marina, na forma constante do Regulamento que integrou o edital de Concorrência nº 002/96 e o Contrato nº 1.713/96. A finalidade e o interesse público estão sempre presentes nos contratos firmados pela Administração, como pressupostos necessários de toda a atuação administrativa.

Não se olvide, ainda, que a Marina está inserida em área tombada, o que, também sob esse viés, impõe a observância do uso em conformidade com a destinação pública que lhe é ínsita.

O poder discricionário conferido à Administração Municipal de escolher, entre várias condutas possíveis, a que traduz maior conveniência e oportunidade para o interesse público, fica limitado pela própria lei, pela destinação pública do bem e, no caso em tela, também pelo atendimento da cessão perpetrada pela União.  A discricionariedade, frise-se, não pode servir de escusa para privilegiar interesses privados.

Tal como engendrada a exploração de serviços com finalidade comercial, permitindo a prestação de serviços de qualquer natureza e a realização de eventos culturais, sociais e esportivos, de forma indiscriminada, sem afinidades com a destinação náutica da Marina (itens “e” e “f” da cláusula) encerrou um desvio de finalidade, por desvirtuar a destinação primária do bem público.

Na mesma ordem de idéias, a concessionária da Marina, no exercício do direito de uso do bem questão, inclusive para exploração comercial, deve aterse à finalidade previamente determinada ao bem cedido e não pode se afastar do interesse público, sob pena de desvio de finalidade e a anulação de qualquer ato que lhe contrarie.

Não se defende aqui uma postura intransigente em relação às atividades e serviços desenvolvidos na Marina da Glória, mas sim que os mesmos guardem pertinência com a destinação original do local (náutica) e que não rivalizem com o interesse público e com a preservação do valor paisagístico e cultural do bem.

O desvirtuamento da destinação natural da Marina foi demonstrado pelos autores populares, conforme documentos de fls. 106/111 e 114/115, que apontam a realização no local de feiras de moda, exposição e venda de veículos automotivos, eventos de música e dança, exposições sobre estágios e carreiras, campeonato de carros com som de maior potência, bem como a instalação de escritório de empresa de serviços de praticagem de navios e utilização do local para fundeio de embarcações da referida empresa. Os sucessivos projetos de exploração econômica da Marina da Glória, com a ampliação de lojas, restaurantes, vagas para estacionamento em detrimento de vagas secas para barcos, também demonstram o intuito de se privilegiar o atendimento de interesses particulares da ré EBTE, em detrimento do interesse público inerente à preservação do patrimônio histórico tombado

A anulação do Contrato nº 1.713/96 operará efeitos retroativos, cessando os seus efeitos a partir de sua celebração (…)”…

Confira a íntegra da decisão 

Você pode gostar...

3 Resultados

  1. Vencida a batalha, a guerra continua.
    Sou favorável à requalificação de toda a área degradada do Parque do Flamengo, especialmente esta em questão. Cabe ao poder público fazer por onde reincorporar a região hoje cercada ao restante do Parque, para que se cumpra o destino de sua criação: para o uso do cidadão comum.
    O projeto de Amaro Machado deve ser preservado, pois resolve as necessidades das atividades de esporte e de lazer definidas desde a constituição, pelo Grupo de Trabalho presidido por Maria Carlota Macedo Soares, do Parque do Flamengo.
    Ademais, por ser o projeto de Amaro Machado de grandes qualidades funcionais, construtivas e de expressão, um dos últimos exemplares modernos públicos construídos em nossa cidade, é preciso exaltá-lo e conservá-lo.
    Requalificação?
    Sim, é possível requalificar a área e o edifício, dotando-os de equipamentos mais eficazes (como guindastes, rampas, píeres, sistemas de comunicação, etc.), no sentido de dotar a cidade do serviço que ela merece: apoio às atividades náuticas de esporte e de lazer do cidadão comum.
    Menos lojas e mais vagas secas.
    Preservação do belo e discreto (retirando-se as tendas esdrúxulas) edifício moderno de Amaro Machado. Que sua cobertura volte a ser, como propôs o Arquiteto, continuidade do Parque para servir ao passante.
    Muito mais do que simples, elegante.
    Luiz Felipe Machado.

  2. Finalmente.
    Agora, falta informar onde a cidade de Rio de Janeiro pretende efetuar as competições de vela dos Jogos Olímpicos, assim como o Pre-Olímpico, que seria 3 anos antes (agosto 2013) no mesmo lugar das regatas definitivas. Enfim, tendo o local definido, se pode obter vantagem (treinamento intensivo no mesmo) para as tripulações locais.

  3. O Rio de Janeiro precisa de Marinas, O Turismo e o laser náutico não pode estar em última prioridade, contrariando a tendencia natural de um estado que possui uma baia e um litoral em toda sua extensão. Precisamos de Clubes náuticos e mais marinas no antigo pier da pça Mauá!.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

pt_BRPortuguese
pt_BRPortuguese