Lisboa controla preços de aluguel residencial, regulando locação temporária. E aqui?
Notícia recente na mídia anunciou restrições da Prefeitura de Lisboa às locações de curta temporada para turistas em determinadas áreas da cidade portuguesa com a finalidade de controlar a subida dos preços de aluguéis para os residentes da capital.
Aqui no Brasil, qualquer jurista mais tradicional pensaria ser isto uma extrapolação da competência municipal. Isso porque o pensamento mais tradicional do direito sugere, com uma imediatez simplista, que tudo que diz respeito à locação refere-se ao direito civil: locação = direito civil.
Será verdade?
Ora, não que a locação não diga respeito ao direito civil. Diz sim, mas somente ao que se refere às relações privadas do arrendamento, e cuja repercussão se contenha dentro da esfera dos particulares.
Algumas cidades europeias, e algumas cidades americanas, atentas que estão ao equilíbrio das funções sociais da cidade, especialmente ao mercado da habitação, já há algum tempo passaram a considerar a questão da locação como um interesse público urbanístico a ser por elas também regulado. Isto porque a oferta de habitação aos cidadãos que moram na cidade, a preços acessíveis, é assunto central e óbvio do urbanismo dessas cidades.
Por isso, há o reconhecimento da competência da Prefeitura de Lisboa para restringir as ofertas de locação temporária de curto prazo, em determinados bairros, de modo a regular a oferta e, por consequência, os preços das aluguéis de médio e longo prazo de habitações. Em Paris, há alguns anos, tomou-se uma medida similar e, em recente julgamento (2021), da mais alta corte de justiça (Cour de Cassation), foi reconhecida a sua legitimidade para tanto.
E aqui? Por que isto ainda não acontece?
Por aqui, se qualquer município tomasse medida similar, talvez criasse uma enorme estranheza e reação jurídica. Isto porque o direito urbanístico brasileiro ainda não adquiriu a maturidade e a expressão suficiente para tal. Nem no meio jurídico e nem no acadêmico. Uma pena, pois os cidadãos, inclusive os juristas, não cessam as suas queixas sobre a situação da população diante dos preços dos imóveis nas grandes cidades, inclusive da inacessibilidade das pessoas à uma locação como forma de moradia. E a sua consequência mais dramática é o crescimento exponencial das favelas
O destaque que faço desta notícia serve para colocar a questão:
A regulação da habitação nas cidades, aí inclusa a questão da locação, é uma matéria concernente somente ao direito civil e, por conseguinte, somente às relações privadas entre os cidadãos? Se assim não for, e admitamos que a locação é assunto estrutural no equilíbrio de uma das funções sociais da cidade (art.182 da CF), por que o Município, ou o Estado, não poderia também estabelecer regras para seu o controle, e que digam respeito à regulação deste mercado de interesse público no exercício de sua competência no âmbito do direito urbanístico? Fica posta a questão e o exemplo de algumas cidades europeias sobre as quais tanto miramos como exemplos.