MARACANÃ: DISCUSSÃO INACABADA, ESTÁDIO DESTRUÍDO

Raramente reproduzo aqui artigos de outras pessoas. Mas, neste caso, acho que vale a pena, pois o tema é fascinante: como o mega evento internacional impõe as normas de venda de serviços e obras, e nós compramos tudo. Tudo pelo futebol? Não, não pelo futebol das peladas, o jogado nas ruas. Este continua sem clubes populares, sem campos nos parques, mesmo porque não se fazem mais parques nas cidades.

Mas vamos ao artigo do Arquiteto Paulo Ormindo, baiano, ex-membro do Conselho Consultivo do IPHAN, e da triste história de como uma única chefia autorizou a destruição do ícone da nossa história futebolística. O artigo também poderia se chamar: o Maracanã de terno e gravata…

“Complexo de pequenez

Paulo Ormindo de Azevedo Arquiteto,ex presidente IAB-BA- Conselheiro Superior do IAB e professor

Participei no último dia 5 do Seminário Mobilidade em Debate: fluxos, deslocamentos e alternativas para o sistema de transporte público na R.M.S. promovido pela Dep, Maria del Carmem. Fiquei surpreso com a participação popular e a ausência das elites. Para resumir, a sociedade pode perder o trem da mobilidade, porque um grupo de empresários já definiu a solução a seu favor. Não temos planejamento público, senão “anti projetos” privados, todos imediatistas e ultrapassados, baseados no diesel, no pneu e minhocões.

Juca Kfouri em artigos de 4/2/07 e 11/06/09 na Folha de São Paulo afirma que só a partir da Copa do Japão/Coréia do Sul, em 2002, a FIFA passou a exigir a construção de arenas, em grande parte porque esses países e a África do Sul não possuíam estádios em condições. A Alemanha aproveitou 2006 para demonstrar e vender sua alta tecnologia em coberturas de estádios. A partir desse momento, a FIFA passa a capitanear um complexo industrial-esportivo com a Hyundai-Kia, produtora de trens velozes, metrôs e quarta fabricante mundial de carros, Sony, Continental, Adidas, Coca Cola, Budweiser e Mac Donald.

Se as nossas cidades são carentes de infra-estrutura, não se pode dizer o mesmo do futebol. Somos uma potência mundial, com um rei, o único penta-campeonato e a maior rede de estádios do mundo. Com pequenas obras, nossos estádios poderiam agasalhar a Copa de 2014, sendo destinado o grosso dos investimentos para e tempo à melhoria da infra-estrutura de nossas cidades. O que estamos assistindo na TV é o contrário, a implosão de estádios novos para a construção de arenas bilionárias, elitistas e excludentes, com camarotes, restaurantes e salões VIPs. Algumas serão elefantes brancos em cidades cujas torcidas não passam de 3000 pessoas. Isto quando se está, em todo o mundo, reciclando antigas fábricas para novas funções.

Fiquei também surpreso com alguns expositores que saudaram a FIFA como benemérita por exigir transporte de massa para nossas cidades. Não sejamos ingênuos. A FIFA não está interessada na qualidade de vida, nem a segurança de seus torcedores, senão no sucesso do evento. Prova disto é o fato de não exigir nada que se refira à questão sanitária e à segurança publica. Nossas urbes são cortadas por rios contaminados, focos de dengue e leptospirose, rios que as paralisam quando chove. Temos ainda seqüestradores, assaltantes de ônibus e torcidas armadas. Muito pouco foi pedido a este respeito e está sendo feito.

Não se conhece, por outro lado, ação da FIFA em favor do esporte amador, da educação esportiva, da repressão à violência nos estádios, à corrupção e à lavagem de dinheiro pela máfia russa. Ela está interessada, sim, nos direitos de transmissão da TV, nos negócios associados e patrocínios bilionários. Como conseqüência, incentiva a venda de equipamentos de alta tecnologia, como TVGs, metrôs, centrais de comunicações, equipamentos para aeroportos e arenas.

No momento que as instituições internacionais, como a ONU, FMI e BIRD, têm cada vez menos força, é estranha a subserviência de nossas autoridades à entidade mais mercantilista do sistema. A isto se soma a falta total de planejamento e controle. Coincidentemente a FIFA é uma associação helvético-brasileira. Sim, porque Havelange reinou nela durante 24 anos e sua família ainda controla grande parte dos negócios da FIFA e de sua afiliada CBF. O atual presidente da FIFA, Blatter, seu sucessor, é sua cria. Foi designado por ele Diretor Técnico em 1975, promovido a Secretário Geral em 1961, indicado Presidente em 1998.

Metade das arenas brasileiras foi projetada por escritórios alemães e cerca de oito tem coberturas da mesma origem e deverão ser geridas por consórcios binacionais. Como contrapartida, as obras das arenas foram dadas para as quatro irmãs nacionais. Oito dessas obras têm problemas no TCU e três são insustentáveis. Chega-se ao ridículo de aceitar a destruição das arquibancadas do maior estádio do mundo, monumento nacional, e retirada de sua marquise, recorde da engenharia nacional, para colocar em seu lugar uma tela, que só irá produzir mormaço. Onde está o IPHAN e o orgulho nacional? “

Artigo publicado no jornal  “A Tarde”, de Salvador, no dia 29/05/11.

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