MP 759 de 2016: o imbróglio jurídico que deslegitima a sua edição
Em dezembro de 2016, o ex-constitucionalista, e ainda atual presidente, Michel Temer, encaminhou ao Congresso a famigerada Medida Provisória (759), com uma miscelânea de assuntos, propondo a sua aprovação a toque de caixa pelos parlamentares. A própria ementa da MP demonstra o aglomerado de regras que, sem qualquer sistemática, visam atender interesses específicos de grupos privados.
Diz a ementa:
“Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal, institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União, e dá outras providências”.
A MP propõe conferir direitos individuais sobre bens públicos, desproteger áreas ambientais significativas, dispor sobre direitos patrimoniais privados que interferem gravemente no urbanismo das cidades. E a pergunta é: por que fazer isto por Medida Provisória e não por lei ordinária?
Um constitucionalista, com formação hígida, não o faria, pois seus limites principiológicos não deixariam que as conveniências de benesses políticas envergassem a sua linha de conduta. Mas, é claro, infelizmente este não é o caso.
Na próxima reforma constitucional, fazer leis por Medidas Provisórias merece ser uma questão a ser revista. Elas constrangem o Congresso, pois entram em vigor antes de se converterem em leis. E isso acontece porque, em princípio, seriam urgentes. Mas, de fato, o próprio STF decidiu que a urgência só pode ser contestada em juízo, “quando atestada a inexistência cabal de relevância e de urgência”, o que é quase que impossível. Então, a exigência constitucional de urgência, mesmo estando na lei , mas cuja verificação judicial é especialmente difícil, é o mesmo que nada!
Ilegalidade procedimental – O caso da Medida Provisória 759 foi pior. No final do prazo de 60 dias que deveria ter sido aprovada no Congresso, o Senado fez modificações no texto, que teriam de voltar à Câmara, por onde já tinha passado. Mas, fingindo que as modificações feitas eram “apenas” de redação do texto, o Senado não cumpriu o retorno à Câmara, pois, afinal, já era o último dia do prazo. Votou com a modificação e enviou à sanção do Presidente da República.
Atento a esta ilegalidade procedimental na conversão da Medida Provisória em lei de verdade, um partido político entrou com Mandado de Segurança no Supremo, pedindo a suspensão da sanção. Corretamente, o ministro relator (ministro R. Barroso) entendeu que “aparentemente” as emendas feitas pelo Senado não eram “apenas” de redação, mas modificativas. Deu a liminar, mas não somente para suspender a sanção presidencial, mas determinou que o projeto voltasse à Câmara, para reapreciação, em 10 dias, das modificações feitas!
Poderia? A essa altura, já havia passado muito mais do que os 60 dias expressos no §3º do artigo 62 da Constituição Federal para a sua apreciação pelo Congresso. Diz o texto constitucional:
§ 3º As medidas provisóras, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.
Ora, criou-se um imbróglio pelos vários “jeitinhos” que tentam forçar a aprovação de normas através de um processo legislativo excepcional e, neste caso abusivo, pela edição de Medidas Provisórias. E cada vez mais, tudo fica mais confuso, cheios de casos a casos, e muito menos transparentes, naquilo que deveria ser claro e límpido; a edições de leis.
O jeito é acabar de vez com as Medidas Provisórias! Estaremos bem sem elas.