Niemeyer, o aríete para arrombar o Aterro

Élio Gaspari – O Globo – 27.11.2011

“Toda cidade precisa de mais uma casa de espetáculos; o aterro do Flamengo é que não precisa.

A poeta americana Elisabeth Bishop disse que “o Rio não é uma cidade maravilhosa, é apenas um cenário maravilhoso para uma cidade”. Quis o destino que sua namorada, Lota Macedo Soares, desse ao Rio uma de suas maravilhas: o aterro do Flamengo. Sem Lota, ele poderia ter se transformado num relicário de feiura semelhante às áreas contíguas às avenidas marginais de São Paulo. Seu maior mérito foi blindar a obra paisagística, tombando-a.

De tempos em tempos mãos invisíveis do mercado tentam tungar as terras do parque. Construíram um mafuá na marina e, por pouco, não tomaram espaço para um centro de convenções. (Para essa área o empresário Eike Batista tem um projeto.) 

Agora apareceu a proposta de construção de uma casa de espetáculos com 3.000 lugares, anexa aos interesses da churrascaria Porcão existente no aterro. Dourando a pílula, o projeto vem assinado por Oscar Niemeyer. A grife Niemeyer torna agradáveis até as caldeiras do inferno, mas o projeto da Porcão é apenas uma tentativa de avanço sobre o patrimônio da cidade.

O parque do aterro, como o Central Park de Nova York, não comporta o movimento rotineiro de 3.000 pessoas em direção a um só ponto. (A menos que elas venham pelo mar, deixando seus carros dentro d’água.) Dona Lota blindou o aterro da mesma forma que Niemeyer blindou suas construções de Brasília. Lá, não se pode trocar um sofá do Alvorada sem licença de seu escritório de arquitetura. 

Em 2009, o governador José Roberto Arruda atraiu a grife Niemeyer para a construção de uma “praça da Soberania” numa ponta da Esplanada dos Ministérios. Nela seria erguido um obelisco de 100 metros. Felizmente o projeto foi ao arquivo.

Para que se construa uma casa de shows ao lado da churrascaria do aterro será necessária autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e seu superintendente já disse que isso é `impossível´. 

A lei é clara, mas os interessados não entrariam no jogo se não contassem com alguns apoios estranhos à paisagem. No caso da Marina, por pouco não chegaram lá.

Ficará tudo muito bem se o projeto for transferido para outro lugar. Afinal, toda cidade precisa de mais uma casa de espetáculos. O aterro é que não precisa.”

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