O nódulo ilegal no Parque do Flamengo: o projeto para a Marina da Glória
“O Parque do Flamengo possui valor paisagístico singular, inestimável importância na paisagem e grande relevância cultural para a Cidade do Rio de Janeiro; desta forma não é acaso a quantidade de proteção que incide sobre a área. O Parque é tombado na esfera federal, é também tombado na esfera municipal por lei e possui decreto que protege seu paisagismo. Além disso, faz parte do sítio declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO como Paisagem Cultural Urbana. Sendo assim, qualquer projeto de intervenção dentro desta área tão importante deve ser analisado, debatido e esclarecido para que não corra o risco de causar algum dano a um patrimônio carioca deste porte.” (início da Conclusão feita por técnico da Prefeitura, discordando do projeto apresentado para a Marina da Glória em agosto de 2014)
Mais do que os danos específicos causados pelo novo projeto para esta área do Parque – o aumento excessivo de estacionamento de carros e de barcos, o aumento desproporcional da área comercial, as construções fora dos parâmetros do projeto original e o ilegal corte de quase trezentas árvores dentro da Unidade de Conservação – é o conceito do referido projeto que agride as razões do seu tombamento.
Por isso, ele é um nódulo que está sendo introduzido nesta importante área preservada da Cidade, sob o olhar compassivo e conivente das autoridades federal e municipais.
Vejamos, ainda que resumidamente:
1. O Parque, da qual a área da Marina da Glória é parte integrante desde o seu tombamento em 1965 e da qual não pode ser apartada senão por autorização legal e destombamento, foi concebido como um projeto de área de lazer totalmente pública e de baixo impacto, não comercial, educacional e de recreação aberta à população, especialmente às crianças. Foi neste sentido que o seu projeto – o projeto da concepção do Parque – foi tombado.
Por isso, contraria a razão e a concepção do tombamento do Parque e do seu projeto, a autorização, ainda que pelas autoridades do IPHAN e da Prefeitura, de projeto que admita o aumento da área comercial de restaurantes, de eventos, de exploração da área comercial de guarda e armazenamento privado de veículos náuticos, de dobra da área para guarda de veículos privados (carros) dentro da área pública do Parque.
2. Qualquer modificação no conceito original do Parque teria que ser dada diretamente pelo Conselho Consultivo do IPHAN, único órgão competente para rever a concepção do tombamento do Parque, e que consta em seu respectivo processo.
3. Nem mesmo a chamada Comissão Técnica de Arquitetura do Conselho do IPHAN, à qual não foi delegada competência para se substituir ao Conselho, mas apenas delegada competência para estudar e propor ao Conselho recomendações sobre o assunto, poderia propor ou aprovar um projeto para a área que alterasse, como este alterou, a concepção de seu tombamento e a mutilação de sua cobertura vegetal, objeto do próprio núcleo do tombamento. Portanto, qualquer decisão neste sentido se reveste de vício de nulidade, não só por ausência de competência legal, como por motivação infundada do ato administrativo.
4. Mesmo os critérios estabelecidos pela comissão da Prefeitura, objeto do Decreto específico, não foram, ao que parece, cumpridos! É o que está declarado no processo administrativo, fls.7, e assinado por técnico municipal e que diz:
“Conclusão: (…) Desta forma, não estou de acordo com o projeto de Revitalização e Adequação da Marina da Glória que o projeto não está totalmente esclarecido, restando dúvidas sobre alguns pontos, e por entender ainda que algumas intervenções propostas não estão de acordo com o Relatório Final da Comissão Especial da Marina da Glória, e com o documento da Reunião da Câmara Técnica de Arquitetura e Urbanismo do [Conselho] do IPHAN, …”.
O projeto apresentado não corrigiu o que não estava em desacordo com os critérios pré-determinados. Apenas, os interessados em explorar a área pública “justificaram” seus excessos perante as autoridades – todas em cargos de confiança – que o analisaram e aprovaram, passiva e mansamente.
Portanto, ainda que inocentemente praticada, a aprovação em desconformidade com os critérios pré-estabelecidos e com as razões do tombamento é nula.
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O conceito de “unidade de conservação” continua sendo incorretamente empregado na referência ao Parque do Flamengo. Caracterizado como um parque urbano, ao contrário dos parques naturais, para os quais se aplicam esse conceito, conforme a Lei Federal n° 9.985/200, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Não é porque algum documento, seja qual for o mesmo, sem valor de lei ou trabalho científico de referência na área, assim o conceitua, como “unidade de conservação”, que o mesmo pode assumir esse “status”.
Prezado Luiz Octavio. Respeito seu ponto de vista, mas discordo dele. Entendo que há subsídio suficiente, na legislação municipal para considerar o Parque do Flamengo uma Unidade de Conservação. Assim ele foi tratado em vários documentos da Prefeitura, e pode, ao meu ver, ser enquadrado na lei federal citada. E, não considero que o documento enviado à UNESCO, pelo IPHAN, com endosso da Prefeitura, que a ele se refere como Unidade de Conservação seja sem valor técnico. Se o é, haveria erro ou incúria da Administração Pública na fundamentação de sua inclusão como sítio significativo da Paisagem Cultural Mundial frente àquele órgão internacional!