“Oito Baixos”
Confiram o texto de Marina Silva no qual ela faz uma reflexão de suas experiências e lembranças.
“Sempre digo que cheguei à cidade analfabeta, aos 16 anos, mas com Ph.D em saber narrativo, pela vivência em minha família de seringueiros, nordestinos que buscaram as terras altas da floresta. Saber que se entretece num complexo sistema de conhecimentos tradicionais ligados aos recursos do ambiente, de onde se extrai, além dos meios de vida, o sentido e a razão de viver.
Meus pais juntaram, aos saberes da árida caatinga, outros tomados aos índios pelos desbravadores. Os povos da floresta fornecem os meios de sobreviver nos sertões úmidos, mas lhes é retirado até o chão onde produzem o precioso saber.
Sou filha desse mundo que entrelaça tempos, lugares, modos de vida e histórias. Tudo isso reencontrei no lindo filme de Breno Silveira sobre as vidas de Gonzagão e Gonzaguinha.
Escancarava-se meu riso nas cenas de delicado humor matuto e a mesma força arrebentava as comportas das lágrimas nas cenas do amor perene nos arrochados nós de afeto. Como na volta à velha casa de taipa de Januário, pai e filho abraçados na luz do amor – que a dureza da vida e longo tempo não apaga– entre a janela e o candeeiro.
Voltar no tempo não carece de túnel, bastam os cantos da lembrança. O manejo quase insustentável da introspecção que sonda a alma. O riso que disfarça e acalma os medos. As lágrimas que lavam as dores, até as que esquecemos.”
Marina Silva