Os Conselhos Tutelares e o Urbanismo: lições sobre a participação da sociedade

Neste domingo, dia 6 de outubro, aconteceu no Brasil a eleição para integrantes dos Conselhos Municipais Tutelares da Criança e Adolescente. Após quase três décadas, a lei do  Estatuto da Criança e do Adolecente – Lei 8069/90 (ECA) pegou, mesmo com todos os defeitos e críticas que se possa ter. Cabe aperfeiçoá-la, se for o caso.

Vale aqui destacar a previsão, em seu texto (artigos 131 a 140), da criação, pelos Municípios e na estrutura administrativa destes, de no mínimo um Conselho Tutelar, composto por pessoas da sociedade civil por ela eleitas. Estes eleitos passam a ter funções públicas administrativas, com ou sem remuneração, a depender da previsão da lei municipal.

Art. 131 – O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.

Art. 132 – Em cada Município e em cada Região Administrativa do Distrito Federal haverá, no mínimo, 1 (um) Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública local, composto de 5 (cinco) membros, escolhidos pela população local para mandato de 4 (quatro) anos, permitida recondução por novos processos de escolha. (Redação dada pela Lei nº 13.824, de 2019)

Ou seja; uma lei ordinária federal interveio na organização dos Municípios brasileiros para determinar que estes tivessem um órgão administrativo de colaboração na fiscalização dos direitos das Crianças e Adolescentes, colaborando com a aplicação da lei.

Efeitos concretos – Talvez devido aos nobilíssimos propósitos desta lei ordinária federal, sua óbvia inconstitucionalidade de, por lei federal, intervir na organização administrativa municipal, não foi questionada. E, com isso, mal ou bem, os Conselhos Tutelares, como instrumentos de participação da sociedade civil na aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, produziu efeitos concretos. Os Conselhos Tutelares existem, e qualquer eleitor pode votar na composição de seu membros.

Por outro lado, a área do Direito Urbanístico, o Estatuto da Cidade – Lei Federal 10.257/2001 – apesar de acentuar, em seu texto, a obrigatoriedade da participação da sociedade no capítulo sobre “Gestão Democrática da Cidade”, sua efetividade não demonstra tanta consistência. 

Diz o art. 43:

Art. 43 – Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos: I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipalII – debates, audiências e consultas públicas; III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano

O ponto é que o texto do Estatuto da Cidade não foi tão objetivo como o texto do Estatuto da Criança e do Adolescente. Não determinou a criação de um conselho da Cidade em cada município, não previu a eleição de seus membros por qualquer eleitor, não previu o tempo do mandato de seus membros, não previu nem ao menos a sua composição popular mínima. E, a consequência disto foi que cada cidade cria a sua fórmula, mais ou menos participativa, de gestão democrática da cidade, se é que cria um Conselho…

Assuntos da cidade são, ao meu ver, tão importantes quanto os direitos das crianças e dos adolescentes. É na discussão do planejamento das cidades que se poderá garantir, ou não, espaços públicos para escolas e hospitais, calçadas para os pedestres, vias e garantia de prioridade para o transporte público, áreas públicas de lazer, recursos para crescimento com infraestrutura de saneamento básico, inclusão de moradia social nas áreas urbanas, meio ambiente não poluído e saudável, espaços garantidos para a identidade e memória social.  

Não há como garantir direitos das crianças e adolescentes se as cidades onde eles vivem e crescem forem não equitativas, não tiverem equipamentos e serviços públicos universalizados e de qualidade, não oferecerem acesso à moradia social, não tiverem meio ambiente saudável, despoluídos, com qualidade do ar, da água e dos sons.

Direitos de cidadania – Ou seja, é pelo planejamento se pode garantir os pressupostos básicos para que uma cidade ofereça aos seus habitantes – crianças, jovens, adultos, idosos, saudáveis ou deficientes – condições de acesso aos seus direitos de cidadania mínimos. Ou, como sói acontecer, fechar as portas para estas possibilidades, por leis de planejamento que continuem a não atender às diretrizes do art.2º do Estatuto da Cidade e a pretensão da “gestão democrática da cidade”.

Neste ultimo final de semana em que se discutiu e se disputou, amplamente, a participação popular nos Conselhos Tutelares pudemos constatar o quanto é que, na área do planejamento urbano, o discurso da gestão democrática ainda é teórico e pouco objetivo.  

Que os Conselhos Tutelares inspirem a criação dos Conselhos das Cidades ou Conselhos de Políticas Urbana com um verdadeiro processo de participação da sociedade civil. E assim, com o processo de participação, vamos tentando aprender que as instituições não são por si democráticas, mas é pelo processo cultural que se dá dentro delas que se constroem-se as instituições democráticas.

Nas palavras de Heloísa Starling; “Apostamos na democracia das instituições, mas não na construção de uma cultura política democrática”.

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