Os grandes projetos e a exclusão dos interesses sociais no Rio

Em nome das grandes intervenções na Cidade para a Copa do Mundo e a Olimpíada de 2016, nos últimos anos, milhares de famílias têm sido removidas de suas residências. E, neste cenário de planejamento mal definido e não participativo, um misto de denúncias de violações de direitos humanos, privatização do espaço público e a prática de uma política excludente que coloca os interesses comerciais acima dos sociais.

Neste terça-feira, dia 03, representantes de comunidades removidas ou em vias de remoção, participaram de uma audiência pública na Câmara dos Vereadores, onde queixaram-se da falta de informação e de esclarecimento a respeito das obras e das desapropriações.

Segundo a Agência Brasil, alguns moradores “reclamaram de agentes da Prefeitura por fazerem falsas promessas de aluguel social e de indenizações que nunca foram pagas”.

“Esta é uma cidade que exclui o pobre, que é cidadão, que paga impostos, trabalha e contribui para a cidade. (…) É doloroso e deprimente sofrer uma remoção. De uma hora para outra saber que sua casa será removida, sem uma satisfação. Nunca vi nenhum projeto, por onde vai passar a obra, quantas casas exatamente serão removidas”, declarou o morador do Morro da Providência, na Zona Portuária, Roberto Marinho, acrescentando que algumas pessoas tiveram que sair de casas confortáveis com varandas e foram realocados “em cubículos nos confins da cidade, mais distantes do Centro”.

Nesta semana, comentamos sobre a recente publicação do jornal americano “The New York Times” sobre as ações governamentais e as decisões “desorientadas”, na tentativa de se “reinventar um Rio de Janeiro antes da Copa do Mundo e das Olimpíadas”, acrescentando que as obras no Centro histórico da Cidade têm acentuado a visível desigualdade social.

Em um “tour crítico”, às vésperas de grandes eventos internacionais, o NYT destacou a falta de um plano governamental quanto à avaliação e garantia de preservação das zonas urbanas históricas do Rio, evitando o sacrifício “por um mar de torres de escritórios”.

Trágico legado ? – A previsão é de que até 2016, entre 60 mil e 70 mil pessoas deixarão suas moradias no Rio. Afastados de áreas de alta especulação imobiliária e “realocados” para os extremos da cidade, desprovidos de uma política de mobilidade urbana,infraestrutura adequada e planejamento que atenda a todo esse contexto já atormentado pelo inchaço de demandas não atendidas, o que poderão esperar a médio e longo prazo ? 

Ainda segundo a Agência Brasil, Inalda Mendes Brito, representante do Comitê Popular Copa e Olimpíada, reclamou da falta de acesso à informação sobre os projetos, como custos financeiros. Ela que mora na Vila Autódromo, na Zona Oeste, ameaçada de remoção há quase uma década, disse que as violações por causa dos megaeventos aumentam à medida que os eventos se aproximam.

Por causa das obras via expressa Transoeste, Jorge Santos perdeu a casa onde morava na antiga Vila Recreio 2, em Jacarepaguá. “Existem leis demais e pessoas de menos capazes de fazer com que essas leis sejam cumpridas. O que mais precisamos no Rio de Janeiro é de transparência. Precisamos de uma CPI em relação à moradia, pois o que passamos e que ainda vamos passar é uma vergonha”, lamentou.

Revitalização sem população ?

Também já debatemos, em relação à Região Portuária, que o projeto inicial deveria incluir, além das alterações em mobilidade urbana e na infraestrutura, a revitalização das moradias já existentes na região e a criação de novos complexos habitacionais, com o repovoamento do local. Mas, ao contrário, moradores afirmam que a região está sendo utilizada para a construção massiva de complexos empresariais, por seu caráter econômico mais vantajoso. Ou seja, privilegia-se o comercial à construção de residências.

A Lei Orgânica do Município em seu Artigo 429, prevê laudo técnico prévio, participação da comunidade na análise e definição das soluções, assentamento em local próximo. Isso tem sido cumprido pelo Município ?

Segundo o artigo 5º, inciso XI da CF:

“XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;”

Este artigo constitucional garante que, mesmo em áreas onde os domicílios não estão regulares, tanto do ponto de vista de sua posse ou propriedade, quanto do ponto de vista urbanístico, moradores não podem ser constrangidos a deixar que pessoas entrem em seus domicílios, sem o seu consentimento. E nem serem removidos sem o devido processo legal que, neste caso, pode não ser, estritamente, um processo formal de desapropriação, mas certamente, deverá ser um processo administrativo, a ser acompanhado e assinado por autoridades devidamente constituídas e identificadas, dando a esses moradores, a oportunidade de ampla defesa, com notificação e pronunciamento dos interessados, titulares deste direito fundamental.

Claro que não é isso que vem acontecendo. E, pelo fato de essas pessoas se sentirem desamparadas e fragilizadas por suas condições de pobreza econômica e de informações, há uma tendência irresistível de se abusar e tornar tudo mais fácil e rápido, ignorando garantias de direito, tornando os fatos de remoção a “fórceps” irreversíveis.

O que se oferece a esses cidadãos é sair de suas moradias, abandonando laços históricos e culturais, em áreas agora destinada aos grandes empreendedores, e mandá-los para longe, onde estão sendo construídos os maiores conjuntos do programa “Minha Casa Minha Vida”.

E, no caso da Região Portuária, por exemplo, tudo feito com a apropriação privada de terrenos públicos e com o dinheiro dos trabalhadores, já que foi a Caixa Econômica quem comprou, com o dinheiro do FGTS ou do FAT, a totalidade do potencial construtivo da área.

Fica a pergunta: por que o governo federal, via Caixa Econômica Federal, não se empenha em apoiar um bom e grande programa de habitação social nesta área central, comprada com o dinheiro dos trabalhadores? Por que a Prefeitura não se empenha em cumprir a risca a garantia do devido processo legal, e justa indenização a estes cidadãos trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro?

Cidade Maravilhosa só acontece com um Rio Solidário.

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