Parque do Flamengo: Ilegalidades do Projeto

A proposta de particular – Empresa Brasileira de Terraplanagem e Engenharia S.A (EBTE) -, para que se construa um shopping dentro do Parque do Flamengo, na área da Marina, foi obstada pelo Iphan, uma vez que este órgão entendeu que esta área é não edificável, ressalvadas as construções previstas no Projeto Original tombado.

Pensou-se, inicialmente, que este seria o único empecilho para se viabilizar a proposta.  Porém, examinando a questão de forma mais cuidadosa, verificou-se que o Parque tem inúmeras outras proteções que impedem que se lhe dê outra destinação (ainda que em parte), senão a de Parque Público Natural, botânico, de recreação e de uso comum do povo.

Pode-se pode somar ao impedimento posto pelo Iphan as seguintes normas obstativas da pretensão do particular: a) ser o Parque uma Unidade de Conservação – área de proteção ambiental, assim definido pelo Plano Diretor do Município do Rio de Janeiro.  b) Ser ele um logradouro público de uso comum do povo, protegido na sua inteireza e no seu uso pela Lei Orgânica do Município.  c) Não ter ele, como gleba não parcelada e pública, qualquer definição de índices urbanísticos de edificabilidade e de uso, o que torna ilegal o deferimento de qualquer licença de construção e funcionamento. d) Ter, a pretensão, alterado substancialmente o objeto do contrato de licitação, já que do ponto de vista material e econômico, a cláusula acessória do contrato de prestação de serviços virou objeto principal do contrato, e ter, o referido contrato, sido renovado por 30 anos, quando não existe aforamento para este período, nem autorização da União para tal.  e) Ser ele objeto de tombamento por lei municipal, sem que o órgão competente se manifeste sobre intervenções na área protegida. Vejamos, com mais detalhes, cada um desses itens:

Parque do Flamengo como Unidade de Conservação.

A Lei Complementar 16/92, em vigor, dispõe sobre o Plano Diretor do Município do Rio de Janeiro, e contém os dispositivos fundamentais sobre a ordenação da cidade (mandamento constitucional referido no art. 182 §2º.).  Nela estão delimitadas as principais áreas de proteção paisagística e ambiental da Cidade.  Especificamente, na chamada AP 2 (área de planejamento 2), o Plano Diretor, no seu art.66 diz:

“Integram o patrimônio paisagístico do Município, sujeitos à proteção ambiental, as seguintes áreas e bens localizados no território da área de planejamento 2: (…)

V: os Parques da Catacumba, da Chacrinha, da Cidade, do Flamengo, do Pasmado, Garota de Ipanema, Guinle e Laje. (…)”.

Mais adiante, o Plano Diretor especifica regras para estas e outras áreas de proteção ambiental, cultural e paisagística.  Diz, nas disposições gerais do capítulo sobre política de meio ambiente e valorização do patrimônio cultural que: “art.112:  A política de meio ambiente e valorização do patrimônio cultural do Município visa a proteção, recuperação e conservação da memória construída da Cidade, suas paisagens e recursos naturais, na realização dos seguintes objetivos: (…)”

VII – impedimento ou restrição da ocupação urbana em áreas frágeis de baixada e de encostas, impróprias à urbanização, bem como em áreas de notável valor paisagístico.

Mais adiante o Plano Diretor, ao definir as Unidades de Conservação diz: “Art. 124:  As Unidades de Conservação Ambiental classificam-se em:

I – Áreas de proteção ambiental – APA, de domínio público ou privado, dotada de características ecológicas e paisagísticas notáveis, cuja utilização deve ser compatível com sua conservação ou com a melhoria das suas condições ecológicas”. Ora, se o art.66, V do Plano Diretor, definiu ex vi lege, o Parque do Flamengo como área de proteção ambiental na AP2 é obrigatório tratá-lo como uma Unidade de Conservação – um Parque Natural por força direta do Plano Diretor, aplicando-se-lhe todas as restrições que, posteriormente, vieram a ser disciplinadas pela lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC – Lei Federal 9985/2000), e que restringem uso e ocupação nestas áreas.  Ademais a lei do Plano Diretor dispõe que, dentre as diretrizes de uso e ocupação na AP2 está o “controle e fiscalização da ocupação de encostas e vistas panorâmicas, visando à preservação ambiental e paisagística”.

Como justificar a construção de shopping, com negócios e estacionamento de lanchas e barcos em uma área de proteção ambiental e paisagística – o Parque do Flamengo – quando, ao mesmo tempo, retira-se população de baixa renda – que tem lá sua habitação – de outra área de proteção ambiental da cidade?

O Parque do Flamengo, independentemente de ser uma área de proteção ambiental e paisagística definida na lei do Plano Diretor, é também um bem público de uso comum do povo, um logradouro público.   Os logradouros públicos são assim definidos pelo Código Civil Brasileiro no seu art.99, e só podem perder esta destinação quando devidamente desafetados.  Porém, a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, no seu art.235 dispõe:

Art. 235 – As áreas verdes, praças, parques, jardins e unidades de conservação são patrimônio público inalienável, sendo proibida sua concessão ou cessão, bem como qualquer atividade ou empreendimento público ou privado que danifique ou altere suas características originais.

Esta é a lei maior do Município, que obriga e condiciona os atos administrativos.  São inválidos, portanto, quaisquer atos da Administração que contrarie esta norma clara, elementar e transparente (…).  Não é preciso dizer mais nada, já que ela é inteligível para qualquer cidadão.

A área do Parque do Flamengo é uma vasta gleba, decorrente de um Aterro, feita para o fim de ser um Parque Público natural e de recreação.  Por isso, a legislação municipal edilícia não definiu para a área qualquer índice urbanístico ou edilício. Daí a impossibilidade de se dar licença de edificação e funcionamento a qualquer obra ou atividade, já que a licença é ato vinculado ao prévio atendimento aos índices.  O art.97 da lei do Plano Diretor assim dispõe:

“art.97: A expedição da licença será condicionada: I –  ao atendimento no projeto de adequação do uso, dos índices e parâmetros urbanísticos e edilícios;(…)”.

Não se pode inventar parâmetros edilícios para uma área de proteção ambiental, mesmo porque, o art.65, X determina, como objetivo do planejamento na AP2 “o controle e fiscalização da ocupação de encostas e vistas panorâmicas, visando à preservação ambiental e paisagística”.   E ainda, o art. 89 do Plano Diretor diz: “Não será permitida a implantação de loteamento, ou grupamento de edificações que impeçam o livre acesso ao mar, às praias, aos rios, às lagoas ou à fruição de qualquer outro bem público de uso comum da coletividade”.

Portanto, é incompatível com o Plano Diretor do Município a partição do Parque do Flamengo, ainda que informalmente, pela cessão de parte de sua área à destinação diversa do uso comum, ou a particulares. A portaria federal, de cessão de parte da área do Parque, além de possíveis outras irregularidades, é, pois, incompatível com a legislação do Plano Diretor do Município do Rio de Janeiro, e, portanto, com a função social da área.

Deverá ainda ser verificado porque um contratado para uma atividade comercial de uso de instalações existentes na Marina ampliou de tal modo o seu contrato de modo que a exploração acessória passou a ser a principal?  Como foi renovado o contrato por 30 anos, em contrariedade à lei 8666, já que não se trata de contrato de concessão, porque a atividade não se caracteriza por ser um serviço público?

Finalmente, deve ser acrescido o fato de ter a lei municipal 2287 de 4 de janeiro de 95 ter tombado o Parque do Flamengo, e terem todas as licenças municipais desprezado este fato, já que não obtiveram a exame e a anuência dos órgãos técnicos competentes.

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