PLC 174 /2020 – Carta do Fórum de Planejamento Urbano do Rio à CMRJ
Carta enviada pelo Fórum de Planejamento Urbano do Rio aos vereadores da Câmara Municipal do Rio de Janeiro solicitando a devolução do PLC 174 /2020 ao Poder Executivo, para que, havendo interesse, o mesmo seja reapresentado após a volta da regularidade de funcionamento total da Câmara de Vereadores e da Cidade do Rio de Janeiro, e após sua apresentação e discussão no COMPUR (Conselho de Política Urbana), e após as devidas realizações, no âmbito do Poder Executivo, de consultas e audiências públicas junto à sociedade civil.
Ao Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro
Aos Exmos. Senhores Vereadores
O Fórum de Planejamento Urbano do Rio (FPU)[1], movimento que congrega inúmeras entidades da sociedade civil, especialmente associações de moradores da Cidade, entidades profissionais, e entidades da sociedade civil interessadas e vinculadas ao planejamento urbano da Cidade, vem apresentar ao Sr. Presidente da Casa Parlamentar, e a todos os Senhores Vereadores sua posição de oposição à tramitação do PLC 174/2020 pelas razões que, resumidamente abaixo expõe.
O FPU complementa seus fundamentos com os textos das entidades que já se manifestaram contrárias aos termos do projeto apresentado e já recebidos por esta Câmara, e cujos trechos destacamos em anexo.
Outrossim, o FPU requer a esta Presidência que o referido PLC 174/2020 seja devolvido ao Poder Executivo, para que, havendo interesse, o mesmo seja reapresentado após a volta da regularidade de funcionamento total da Câmara de Vereadores e da Cidade do Rio de Janeiro, e após sua apresentação e discussão no COMPUR (Conselho de Política Urbana), e após as devidas realizações, no âmbito do Poder Executivo, de consultas e audiências públicas junto à sociedade civil.
1. O FPU entende que o recebimento e a tramitação de um projeto de lei, que trata basicamente de alteração do planejamento urbano na cidade não pode e não deve tramitar na Câmara Municipal quando a mesma está funcionando em regime de excepcionalidade e de exceção, por ela própria reconhecido em sua resolução, que diz estar “restritamente com horários e equipes de servidores reduzidos”. É evidente, pois, que a excepcionalidade deste funcionamento se justifica unicamente se e quando os projetos de lei sejam diretamente vinculados à saúde pública, ou sua urgência seja motivada por objetos legislativos cujo interesse público possam se perder, caso não sejam deliberados. No mais, outros projetos, ainda que deles constem apenas a explicitação à crise da COVID-19, mas que diretamente não salvam vidas, este outros podem vir a ser considerados um by passao devido processo legal, porque contrariarem frontalmente o previsto no art.60 da Lei Orgânica do Município.
2. A matéria tratada no PLC 174, conforme mensagem do Executivo, e declarado por autoridade municipal no encontro virtual (25/-5/2020), denominado por esta CMRJ como “audiência pública” é, obviamente, matéria de caráter urbanístico, e que altera legislação de uso do solo, índices do Plano Diretor, cobrança de contrapartidas por Outorga Onerosa (sob o codinome de mais valerá), zoneamento, e até a Lei Orgânica do Município; daí sua formatação em lei complementar. E mais: declara uma vertente financeira/arrecadatória de seus fins, a caracterizar um desvirtuamento da finalidade constitucional da política urbana,consignada no art.182 da Constituição Federal que diz que: “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, (…) tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes”. Portanto, usar leis urbanísticas – sobretudo temporárias – com fins financeiros-arrecadatórios, a justificar a motivação de um projeto de lei urbanístico, constitui flagrante desvio das finalidades constitucionais da lei urbanística em questão. Impõe lembrar que a Constituição Federal estabeleceu que cabe ao sistema tributário a finalidade fiscal de arrecadar tributos e outros recursos para financiamento e atendimento das necessidades básicas da população da cidade. Por mais crítica a situação atual, não é cabível distorcer o planejamento urbano para este fim, especialmente em situação de funcionamento de exceção de seus órgãos executivo e legislativo.
3. Vale lembrar que a participação da sociedade no processo de elaboração, para a proposição de leis urbanísticas são de cumprimento obrigatório para legitimar as propostas legislativas, condição esta há muito chancelada pelo Judiciário brasileiro, ex via lei federal de política urbana – o Estatuto da Cidade (art.43), bem como a Lei Orgânica Municipal (art.266 e §s 1º e 2º, §5º do art.270, art. 458, e especialmente o art.426), e Plano Diretor da Cidade (lei Complementar 111/2011) art.5º, art.311 §3º ,c/c especialmente art. 312.
Destarte, e por todos os motivos de forma e de fundo expendidos nos ofícios das entidades em anexo, a saber, Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge Rio), FAM-Rio, Conselho de Arquitetura e Urbanismo do ERJ – CAU/RJ, Clube de Engenharia do ERJ, Conselho de Engenharia e Agronomia do ERJ (CREA-RJ), Sindicato dos Engenheiros RJ (SENGE-RJ), Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), IPPUR/UFRJ (Instituto de Planejamento Urbano e Regional – UFRJ), Instituto de Arquitetos do Brasil seção RJ (IAB-RJ), Associações de Moradores do Jardim Botânico, Freguesia, São Conrado, IPPUR (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ) que requeremos:
A sustação imediata da tramitação legislativa do PLC 174/2020, e sua devolução ao Executivo para o cumprimento do devido processo legal na sua elaboração, e posteriormente, se for o caso, sua tramitação regular, democrática e pública no âmbito do legislativo.
Nestes termos, pede deferimento, e publicação deste documento no Diário Oficial da Câmara para garantia de sua publicidade.
Rio de Janeiro, 2 de Junho de 2020
Fórum de Planejamento Urbano do Rio
Trecho das cartas das instituições citadas:
Senge RJ (Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio): “O Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (SENGE RJ) vem repudiar enfaticamente a ação da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, que enviou mensagem à Câmara dos Vereadores, propondo a discussão e aprovação do PLC 174/2020, que estabelece incentivos e benefícios para pagamento de contrapartida no licenciamento e legalização de construções no Município do Rio de Janeiro, em caráter temporário, mediante benefícios urbanísticos (…) “.
FAM-Rio (Federação das Associações de Moradores do Rio): ” Vimos por meio desta solicitar à Vsa Exa a devolução do PLC 174/2020, por seu caráter notadamente inapropriado para os fins que menciona, sua flagrante inconstitucionalidade por contrariar normas legais hierarquicamente superiores e, ainda, pela ausência completa de análise quanto aos impactos advindos de sua aplicação sobre o adensamento dos bairros, a capacidade de suporte da infraestrutura urbana, a paisagem urbana, o meio ambiente e a valorização imobiliária entre outros aspectos.”(…)
Associações de Moradores do Jardim Botânico, Freguesia, São Conrado: “(…) solicitar que Vossa Excelência [Presidente da CMRJ] SUSPENDA o processo de tramitação e não aprove o Projeto de Lei Complementar n.o 174/2020 (…) que utilizem como justificativa a arrecadação de recursos financeiros para “o enfrentamento das crises sanitária e econômica oriundas da pandemia da covid-19”, até que sejam divulgados à população municipal: (…) 3. Quantos imóveis e quais foram beneficiados com as isenções ou descontos ou remissões de IPTU, quais critérios foram adotados e quanto o Município do Rio de Janeiro deixou de arrecadar com tais isenções; 4- Quantas e quais empresas foram beneficiadas com as isenções ou descontos ou remissões de impostos municipais, quais critérios foram adotados e quanto o Município do Rio de Janeiro deixou de arrecadar com tais isenções; 5- Informar qual é a expectativa de arrecadação financeira com a aprovação do Projeto de Lei Complementar n.o 174/2020, a fim de justificar a violação do inciso VIII do artigo 30, do caput e parágrafos do artigo 182 da Constituição Federal e respectivamente dos Projetos de Estruturação Urbana (PEUs), legalmente instituídos em diversos bairros do Município em atendimento à norma prevista no artigo 68 do Plano Diretor do Município do Rio de Janeiro (Lei Complementar 111/2011); 6- Informar a quantidade e os respectivos endereços dos imóveis ociosos no Município do Rio de Janeiro que poderão gerar recursos, através da cobrança de IPTU progressivo no tempo, previamente autorizada no artigo 182, § 3o, inciso II da Constituição Federal. (…)”
IAB-RJ (Instituto dos Arquitetos do Brasil, RJ): “(…) No caso em apreço, afirma‐se que nunca se viu uma tentativa tão drástica de desconhecimento de todo o arcabouço legislativo urbanístico e edilício na história da nossa cidade, na medida em que o referido Projeto de Lei altera índices e condições de quadras inteiras com impacto em conjuntos de quadras.” (…)
CAU-RJ (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do RJ): “(…) Mais uma vez, um PLC que trata de matéria urbanística é apresentado sem estudos técnicos que justifiquem e embasem as propostas nele apresentadas. A proposta não foi objeto de discussão com a população, de debate em audiência pública, nem sequer pautada no Conselho Municipal de Política Urbana (Compur), em que o CAU/RJ tem assento.(…)”
CREA-RJ (Conselho de Engenharia e Agronomia do ERJ: “(…) Desta vez, usando a justificativa de que a pandemia trouxe despesas não esperadas, estaremos abrindo mão de um ordenamento urbanístico saudável, em função do aumento de receita aos cofres municipais (…). Os profissionais pertencentes à categoria que tem suas prerrogativas junto ao Crea-RJ, mais uma vez foram preteridos nos debates e consultas sobre o tema, esta não é a maneira correta de se legislar sobre tão importante tema.“
IPPUR (Instituto de Planejamento e Pesquisa Urbana e Regional da UFRJ): “(…) O processo de apresentação deste Projeto de Lei fere sobremaneira a gestão democrática da cidade, diretriz consagrada no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor em vigor. O escasso debate mobilizado nas esferas públicas tem se dado sem a apresentação de um diagnóstico consistente sobre os possíveis impactos decorrentes da aprovação da lei. Não foram apresentadas razões técnicas que justifiquem a alteração dos parâmetros urbanísticos, nem o impacto dessas mudanças sobre a cidade, seja em termos de infraestrutura, de ambiência urbana e de qualidade de vida dos moradores.(…)”
IBDU (Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico): “(…) Trata-se da submissão a uma lógica de “ajuste urbano” antidemocrática e que enxerga a cidade sob uma lógica meramente empresarial, sem a preocupação com a melhoria das condições de vida e o direito de participação dos citadinos. Alterações desse tipo precisariam passar por um processo longo de consultas técnicas, audiências públicas e apresentação de estudos de impacto, para que só então pudesse ser analisada pela Câmara.(…)”
Clube de Engenharia RJ: “(…) O Clube de Engenharia, com posição firmada em defesa do planejamento urbano como melhor meio para ordenar a ocupação do espaço em que vivemos, conclama os vereadores a rejeitarem o PLC 174/2020, pois desconstrói sumariamente as conquistas das últimas décadas, consubstanciadas na criação do Conselho Municipal de Política Urbana (COMPUR) e na instituição de procedimentos participativos na elaboração e nas revisões do Plano Diretor de nossa cidade.”