POLICIAIS EM GREVE: por que o sistema não funciona?

A “greve” de policiais na Bahia apresenta a face de um sistema perverso que, implantado pela metade no sistema jurídico brasileiro, coloca o Executivo sempre em confronto com os funcionários públicos, e só faz diminuir a credibilidade da população em face do serviço público.

Mas quem é o responsável por essa situação, que aparece mais quando há greve na segurança pública (a rigor, não se estende aos militares o direito de greve), mas que acontece sistematicamente em serviços de saúde, educação, fiscalização, e outros serviços públicos essenciais?É um sistema jurídico perverso, que tem sua origem na Constituição de 1988, que tendo introduzido o direito greve para o funcionário público, até hoje não regulamentou a forma do seu exercício, passados 24 anos.  Um escândalo legislativo federal. 

Portanto, o que acontece com o povo, quando os serviços públicos entram em greve, deve ser debitado, primeiro, na conta dos parlamentares. Eles, passados duas décadas e meia, ainda não decidiram nada sobre o tema da greve: como, quando, e de que forma, e dentro de que limites os funcionários públicos entram em greve.

Mas não é só isso que não funciona no sistema.  Há outros sérios equívocos, e outras faltas de cumprimento da Lei Maior.  Vamos citar apenas dois deles, somente para esclarecer o imbróglio jurídico em que estamos metidos.

O primeiro: a Constituição dá ao Chefe do Executivo (Presidente, Governador e Prefeito) o poder exclusivo, soberano e pessoal de decidir quando e quanto deve propor aumento de vencimento de cada categoria de pessoal do serviço público do poder executivo (art.61, par.1º, II, a. da Constituição Federal). 

É evidente, pois, que esse dispositivo constitucional (histórico) não mais atende à realidade moderna da administração pública, já que não trata a questão remuneratória do funcionário público não como uma questão técnica de gestão, mas como uma negociação meramente política, e geralmente eleitoral do chefe do poder executivo (aumentos são “guardados” para os períodos pré-eleitorais)!  

As propostas são negociadas em muitas esferas da administração, mas a decisão do aumento é sempre da conveniência e oportunidade política do chefe de plantão.  Por conseguinte, todo aumento do funcionalismo está, deste modo, submetido a uma negociação puramente política, e não técnica.

Para completar esse quadro, quando há greve, ao contrário do que acontece no âmbito privado, onde o poder judiciário intermedeia os conflitos com acordos coletivos, não só para aumentos como também para reajustes, no âmbito dos servidores públicos, não há árbitros isentos entre as partes.

O judiciário não interfere nos pleitos de aumentos, nem reajustes dos servidores públicos.  Estes continuam nas mãos exclusivas do chefe político do poder executivo, que é ao mesmo tempo, o representante de uma das partes, e o seu próprio juiz da reivindicação. Como consequência: as greves no serviço público não param!

O segundo aspecto:  a Constituição Federal, desde 1998, assegura, no seu art.37 X, a “revisão geral anual [da remuneração] dos servidores públicos, sempre na mesma data e sem distinção de índices“.

Isto é, a CF assegura o reajuste no padrão de vencimentos para que este, com a inflação, não perca o seu valor.

Este direito constitucional simplesmente não é cumprido, e as perdas remuneratórias se acumulam, ano a ano, transformando o servidor público num pedinte do chefe do executivo, num mendigo de seus direitos constitucionais.  

A falta de cumprimento dos reajustes anuais também transforma estes direitos em negociações políticas, o que é inaceitável.

A “greve” dos policiais na Bahia pode e deve ser resolvida rapidamente.  As demais, no futuro, dependem de atitudes mais sérias e determinadas dos legisladores, e do cumprimento, pelo executivo, da Constituição Federal.  

Além, evidentemente, da implantação de um sistema claro e transparente de gestão da remuneração do funcionalismo público.  Mas isso, é claro, só com estadistas na chefia do executivo, o que é quase impossível de se ter! 

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4 Resultados

  1. Sonia Rabello disse:

    Grata por contribuírem com o blog com os interessantes comentários. Obrigada, Bruno, pelo elogio.

  2. Sergius disse:

    Além das questões sabiamente levantadas pela Doutora Sônia Rabello, acrescento algumas outras:

    • A Constituição de 1988, dita cidadã, paralisou todas as iniciativas de reformas em andamento à época e estas jazem mofadas em esquifes idênticos aos que guardam os cérebros dos legisladores brasileiros.
    • A reforma política, que evitaria a profusão de agremiações interesseiras e sem ideais da atualidade.
    • As reformas tributária e fiscal, que pretendiam fazer deslanchar a indústria nacional, atualmente sucateada e violentada pelas importações de artigos produzidos com nossas matérias primas em regiões do mundo condenadas pela absoluta escravidão promovida por seus governos tirânicos.
    • A reforma do serviço público, que pretendia tirar das mãos dos políticos demagogos e corruptos as decisões sobre planos de cargos e salários, gestão de pessoas, além da evolução das questões gerenciais que promoveriam o melhor uso da capacidade do funcionário público, ao invés de humilhá-los com a frequente e corrupta contratação de mão de obra terceirizada, normalmente incompetente para a lida com a burocracia do estado.
    •Além de outras mais, a REFORMA DA SEGURANÇA PÚBLICA, mal que se arrasta desde o século XVIII, com as decisões do absolutista Marquês de Pombal sobre segurança, contra a massa de colonizados que viviam no Brasil de então e que não aceitassem as determinações de D. José I.
    Tais decisões influenciaram a filosofia dos corpos de milícias e ordenanças e, por fim, a Guarda Nacional, a partir de 1831, data em que foi criada, como MANTENEDORA DA ORDEM regida pela nossa primeira constituição, durante o período de Regência.
    Infelizmente, a filosofia hipócrita de se MANTER A ORDEM e não a de PROTEÇÃO DO CIDADÃO é a que perdura em todas as nossas desvinculadas polícias até hoje, e faz dessas corporações paroquiais antros de pit bulls mal pagos, prontos para morder indistintamente ao povo e aos bandidos.
    Eles fazem parte do funcionalismo público ignorado e desacreditado pelo próprio Poder Executivo.
    O Poder Executivo, por sua vez, é o antro da escória do Poder Legislativo, com poderes para eleger o mais alto escalão do Poder Judiciário brasileiro.
    Portanto, a greve na Bahia e ameaça de mesmo ato no Rio de Janeiro, é a clara demonstração de desrespeito a um Poder Executivo corrompido, sem moral para exigir ordem, embora esse tipo de insubordinação seja inaceitável para um real estadista, desde a época de Maquiavel, ou pelo Regulamento Disciplinar do Exército (RDE).
    Esse governo que não enxerga o povo, nunca terá capacidade para estruturar uma polícia capaz de protegê-lo.

  3. Bruno Bodart disse:

    Parabéns pela excelente, sóbria e técnica análise!

  4. Cristina Reis disse:

    Os agentes de segurança na quase totalidade dos estados brasileiros, exceto o Distrito Federal, de fato ganha muito mal, uma paga incompatível com o risco de vida e a responsabilidade que possui. Mas o melhor método reivindicatório é esse, prejudicar a população que deveriam proteger?

    Os grevistas, como é o caso da Bahia, enveredaram por caminhos de incitação à violência e de irresponsabilidade, paralisando atividades essenciais, que beira ao terror, que estamos cansados de ver no Oriente Médio.

    Muito justo o seu direito de reivindicar por seus melhores salários. Mas o correto seria que os policiais fizessem suas reivindicações dentro da legalidade. Cobrar da Presidente Dilma, a antiga promessa feita pelo então Presidente Luís Inácio Lula da Silva, a aprovação imediata da PEC 300.

    Fora da legalidade não há porque ampará-los. Qual diálogo é possível com um agente de segurança amotinado, encapuzado, armado e em quebra de hierarquia? É o que nós estamos assistindo, a perda do turista, e a população com medo sem saber se poderá curtir o seu carnaval.

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