Política Nacional de Participação Social: podemos participar?

Ainda não. O decreto 8243/2014 não está redigido de forma simples, para que a sociedade possa entendê-lo e, com isso, possa participar efetivamente na gestão governamental federal. Senão vejamos:

O referido decreto é longo, complexo, e se refere a vários mecanismos diferenciados de participação (art.6º) como: conselho de políticas públicas;comissão de políticas públicas, conferência nacional, ouvidoria pública federal, mesa de diálogo, fórum interconselhos, audiência pública, consulta pública e  ambiente virtual de participação social.

Complicado, não?  E todos sabemos que complicar na lei é a arte de manipular a aplicação da norma, obstaculizando a sua eficácia. E qual seria a eficácia, no caso ? A de ser ouvido e, eventualmente, alterar o resultado da decisão. Isso porque ser ouvido pode ser um passo inicial, mas é insuficiente, e traz para a população um imenso sentimento de frustração.

Pelo decreto nada obrigatório, nem mesmo para os órgãos federais. Diz o art.5º:

“Art. 5º  Os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta deverão, respeitadas as especificidades de cada caso, considerar as instâncias e os mecanismos de participação social, previstos neste Decreto, para a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de seus programas e políticas públicas.

Considerar é considerar. Não é seguir, não é obedecer, não é fazer obrigatoriamente.

Frustração quanto à participação é o que acontece no caso de audiências públicas, já obrigatórias por lei em vários programas e ações governamentais, especialmente no âmbito de aplicação da legislação ambiental e de planejamento urbano. No entanto, mesmo a nível federal, as audiências acontecem como um processo meramente formal; ou seja, reúne-se a população, dá-se a notícia, as pessoas reclamam, se opõem, e nada muda em geral. É a aplicação da máxima popular “os cães ladram e a caravana passa”.

E o que diz o decreto 8243 sobre as  audiências públicas?  Muda algo ? Não. Talvez sugira o aprimoramento da divulgação, mas nada vinculado à tomada de decisões governamentais, até porque o próprio decreto não deu a qualquer Conselho caráter deliberativo. Vejam o artigo:

“art.2º: (…)

VIII – audiência pública – mecanismo participativo de caráter presencial, consultivo, aberto a qualquer interessado, com a possibilidade de manifestação oral dos participantes, cujo objetivo é subsidiar decisões governamentais;”

O artigo acima é catártico: tipo “pronto, falei…”, e mais nada.

Efeito jurídico e morosidade – O art.16 do decreto presidencial, que dá diretrizes mínimas para a realização de audiências públicas, poderia ser um possível aprimoramento no tema, mas este não diz qual o efeito jurídico quando o órgão da administração não cumpre as diretrizes. Seria a anulabilidade da decisão administrativa? Poderia ser, a depender do administrador e da Justiça, que anda lenta.  Diz o artigo:

“Art. 16.  As audiências públicas devem observar, no mínimo, as seguintes diretrizes:

 I – divulgação ampla e prévia do documento convocatório, especificado seu objeto, metodologia e o momento de realização; II – livre acesso aos sujeitos afetados e interessados; III – sistematização das contribuições recebidas;  IV – publicidade, com ampla divulgação de seus resultados, e a disponibilização do conteúdo dos debates; V – compromisso de resposta às propostas recebidas.”

Ou seja, as oitivas, previstas no decreto federal, são somente eventuais portas de escuta. Muita falação, sem qualquer vínculo decisório, coercitivo, obrigatório. E, quando um conselho tiver caráter deliberativo suas resoluções normativas tornarão-se, pelo decreto, mais amarradas, já que vinculou-se a sua análise prévia à Advocacia da União (AGU) ! Diz o seu art.10:

“§ 2º  A publicação das resoluções de caráter normativo dos conselhos de natureza deliberativa vincula-se à análise de legalidade do ato pelo órgão jurídico competente, em acordo com o disposto na Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.”

Portanto, nada a temer pelos políticos, nada a festejar pela população por conta da publicação, a destempo, do referido decreto presidencial.

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3 Resultados

  1. Até o presente momento não estou entendendo muita coisa mais quero em breve entender,de uma coisa eu tenho certeza os interessado nesta mudanças das leis querem levar vantagem e por isso que precisamos que tudo seja muito bem esclarecido

  2. Sonia Rabello disse:

    Iara Ferraz: em parte você tem razão. Os conselhos são essenciais. Não compartilho da vertente daqueles que acham que usurpa a competência do Congresso. Mas também acho que esta regulamentação é complexa demais para ser aplicada. Acho que seria mais proveitoso que a União não repassasse recursos para Estados e Municípios que não tivessem seus conselhos locais com paridade e voz da sociedade civil. Mas, isto não acontece. Por isso tenho muitas reservas a este decreto, na forma que está posto. Sonia Rabello

  3. É um desserviço deixar de esclarecer a população sobre os benefícios que a Política (e o Sistema) Nacional de Participação Social podem trazer em termos de efetivar mecanismos de democracia direta, num tempo em que os “representantes” do povo no Congresso deixaram de ter essa característica. É preciso aproveitar os espaços existentes (os conselhos municipais, por exemplo, existem desde a Constituição de 1989). Esse decreto vem apenas regulamentar artigos promulgados naquela ocasião. Tardaram mas aí estão.

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