Precisamos rever o instituto da reeleição
A reeleição de candidatos à chefia do Executivo – presidente, governadores e prefeitos – sem desincompatibilização, é uma concorrência eleitoral equilibrada e justa para todos os candidatos?
Veremos que não, apesar das regras existentes que, na realidade, não equilibram a disputa e são impossíveis de serem fiscalizadas.
A reeleição foi uma modificação da Constituição de 1988 pela Emenda Constitucional nº 16 de 1997. A partir daí, temos constatado que é bem mais fácil e comum a reeleição daqueles que têm a máquina do poder do Estado nas mãos do que a eleição de outros candidatos que não dispõem da mesma.
Quando houve, em 1997, a mudança constitucional para permitir a reeleição, reduzindo o mandato de cinco para quatro anos, não se exigiu que o candidato que concorresse para o mesmo cargo político, sobretudo no Executivo, se desincompatibilizasse das suas funções com alguns meses de antecedência para se colocar nas mesmas condições de partida em relação aos demais futuros candidatos. Com isso, a linha de partida da concorrência fica, sem qualquer dúvida, bem diferenciada, sobretudo no que concerne à divulgação da figura e o nome do futuro pretendente ao cargo, que é o cerne de qualquer candidatura política.
É evidente que há algumas regras restritivas que, supostamente, objetivam o não uso da máquina pública, antes e durante as campanhas eleitorais, para tentar evitar o desequilíbrio. Mas estas regras são paliativas, e não funcionam para, de fato, equilibrar esta disputa.
Além do mais, fica materialmente impossível para os Tribunais serem minimamente eficientes e eficazes na aplicação destas regras, antes e durante o período eleitoral, para impedir o uso abusivo da máquina pública do Estado a favor do candidato que pleiteia a reeleição.
Exemplo disto é o julgamento, no último dia 27 de setembro deste ano, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para reapreciar duas liminares concedidas para impedir o uso, pelo atual presidente da República, de imagens e fala de seu discurso na Assembleia Geral das Organização das Nações Unidas (ONU) e da gravação por ele feita nas dependências de sua residência oficial no Palácio Alvorada.
Duas situações mais do que elementares e triviais, mas que consumiram horas de julgamento dos ministros daquela Corte que examinavam precedentes para ver se os mesmos corroboravam ou não o impedimento. Ao final, confirmaram a liminar, ratificando o impedimento. Mas, se não confirmassem, ter-se-ia perdido dias de propaganda eleitoral, na vigência da liminar. E isso se repete nos tribunais eleitorais de todos os Estados!
E se o TSE anda ocupadíssimo com a disputa presidencial, imaginem se este Tribunal tem condições de examinar, ainda que em grau de recurso, o que ocorre na corrida para governadores em 27 Estados da Federação? E, decidir definitivamente sobre este assunto após os candidatos serem empossados é, na prática, politicamente quase impossível!
O cerne da questão está na dificuldade de se avaliar em que medida se pode dizer que o futuro candidato à reeleição está ou não valendo-se do uso da máquina do Estado para o seu favorecimento, direta ou indiretamente, em relação aos demais candidatos, especialmente durante o período eleitoral no qual ele exerce uma dupla aparição pública: como presidente, governador ou prefeito em exercício, e como candidato à reeleição.
E todos sabemos que sem a desincompatibilização isto é impossível de ser avaliado com integral exatidão, como é o desejável e correto. A consequência é o desequilíbrio da concorrência entre os candidatos que estão no Governo e os que não estão no comando do dinheiro e das obras públicas.
E existe outro aspecto a ser considerado. Havendo reeleição, o presidente, governadores e prefeitos, que na campanha de primeiro mandato garantem que são contra a reeleição, uma vez eleitos trabalham por quatro anos somente com olho na reeleição. Em função disto, evitam de todo modo tomar medidas impopulares, ainda que necessárias, mas que possam prejudicar a sua imagem junto às camadas da população. Isso não é nada bom para a saúde social e política do país.
São quatro anos de atraso de medidas necessárias. Quem já viu prefeito, no primeiro mandato, atualizando planta de valores do IPTU? Ou tomando medidas tributárias eficientes ou não distribuindo benesses de auxílios fiscais e sociais desregradamente?
Então, embora quatro anos de mandato no Executivo seja curto, a reeleição tem sido mais prejudicial ao país do que este tempo espremido para realizações, sobretudo quando os atuais mandatários não têm que se desincompatibilizar por nenhum prazo antes das eleições!
O atual candidato Lula da Silva já disse que não irá se candidatar para eventual reeleição, se ganhar as eleições de 2022. Jair Bolsonaro, se reeleito, já não poderá se recandidatar em 2026. Portanto, há uma chance, então, de mudarmos esta perniciosa invencionice da reeleição dos chefes de Executivo! Ou, ao menos, para início de conversa, mirando em 2026, obrigar a desincompatibilização.
Com quem a sociedade civil organizada poderia contar para que essa emenda caísse? Esse seria, eventualmente, o desejo de muitos de nós.