REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM BENS PÚBLICOS ?

O caso do Jardim Botânico no Rio de Janeiro
 
1.  Regularização fundiária é tema recorrente em políticas públicas. Se fala sobre isto, por exemplo, em relação aos ocupantes de áreas dentro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Mas o que é regularização fundiária?

2.  Há cerca de uma década o Estatuto da Cidade introduziu a expressão em seu texto, dizendo que esta seria uma das diretrizes do planejamento urbano (art.2º, XIV).  Porém, ninguém sabia exatamente qual o seu significado ou conteúdo. Seria regularizar urbanisticamente, dotando as áreas ocupadas de infraestrutura urbana que elas não dispunham? Ou seria regularizar a titulação, pressupondo que a posse não titulada seria uma ilegalidade? (Equívoco jurídico comumente repetido).
3.  Fato é que, num país onde o planejamento urbano deu as costas ao incentivo à produção de moradias de baixa renda (e continua dando…), a questão da regularização tornou-se moeda fácil dos discursos políticos descompromissados com a implementação de produção regular de moradias acessíveis. O bom, para os governantes, é a irregularidade pronta, já feita, pois assim não se tem o incômodo de ter que gerar uma política planejamento eficaz, que certamente incomodaria, em muito, ao mercado imobiliário especulativo, acostumado aos grandes lucros sobre a terra.
4. Ocorre que a regularização das ocupações em terras privadas, que seria a regra, com a respectiva titulação, não avançou quase nada, pois o emperramento dos processos judiciais de usucapião é uma realidade quase que insuperável. O jeito foi então avançar sobre as terras públicas.
5.  Em relação às terras públicas há o empecilho da impossibilidade jurídica de se obter as terras ocupadas através de usucapião. Para superar este incômodo constitucional, o Presidente da República fez editar a Medida Provisória nº. 2220/2001, prevendo sua concessão real de uso aos ocupantes imóveis públicos, até determinada data – 31 de junho de 2001.
6.  Ora, concessão real de uso é uma forma de propriedade – um direito real.  Concedê-la aos ocupantes de imóveis públicos é, sem dúvida, uma forma transversa de se aplicar a usucapião, o que, a rigor, contraria o sentido da regra constitucional. Mas isto tanto faz… . A MP 2220/2001 ainda não foi convertida em lei; ou seja, o Congresso Nacional ainda não a “batizou”.  É portanto provisória mesmo, embora muitos títulos já tenham sido dados com base nela.
7.  Posteriormente, foi editada a Lei 11.977 de julho de 2009, do Programa Minha Casa Minha Vida.  Nela inseriu-se toda uma seção sobre regularização fundiária. Aí, infelizmente, nada é falado sobre a qualidade urbanística da regularização, que seria o mais importante no assunto. A obsessão é a titulação, embora não se defina que espécie de título há de ser dado, que poderia ser a concessão de uso, no qual a moradia é garantida, sem dar propriedade.
8.  Contudo, o desejo político de se fazer uma política fácil e rápida de moradia popular, com a manutenção dos ocupantes nas terras públicas, mesmo a despeito da regra constitucional, teria que respeitar também o sistema jurídico como um todo. O Código Civil diz que os bens públicos são inalienáveis, ou seja, não sujeitos à transferência de domínio. Apenas os bens públicos dominiais (aqueles não destinados a um uso público específico) podem ter autorização para venda, doação ou concessão real. Os bens públicos destinados, afetados a um uso comum do povo (praças, ruas, estradas, parques, jardins, praias…), e os de uso especial (repartições, fortalezas, hospitais, escolas…) são inalienáveis por naturezaSe assim não fosse, qualquer um com posse, por mais de 5 anos, de um pedaço de rua, viaduto, hospital, escola, praia poderia alegar direito individual fundamental sobre estes bens, e requerê-los para seu direito à moradia. Por que não?
9.  A regra da indisponibilidade, da inalienabilidade específica dos bens públicos de uso comum e de uso especial visa proteger este patrimônio público, de uso comum do povo como diz a Constituição, não só da ganância particular, como das soluções fáceis dos governantes de plantão. Afinal, não é menos complicado dar um jeitinho, fingir que não sabe, e continuar dilapidando o patrimônio coletivo, com a mesma visão de exploração extrativista das riquezas coletivas?

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