Rio: o licenciamento urbanístico e ambiental não tem natureza jurídica econômica
Através do decreto municipal nº 48.481 publicado nesta segunda-feira, dia 2 de fevereiro, o prefeito do Rio decidiu pela transferência do licenciamento urbanístico e ambiental da Cidade para a recém criada Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação (SMDEI); nome complicado para quem pretende simplificar.
Vejamos as sérias inconsistências técnicas e jurídicas na transferência do licenciamento urbanístico e ambiental para uma secretaria de desenvolvimento econômico, ao mesmo tempo em que o licenciamento de atividades econômicas propriamente ditas continua na esfera de outra secretaria, na Secretaria da Fazenda.
1. Encontra-se no âmbito da Secretaria de Fazenda (decreto 48.340/2021) a Superintendência Executiva de Licenciamento, Fiscalização e Controle Urbano. E qual seria a atribuição deste licenciamento, se o urbanístico e ambiental estaria agora na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação (SMDEI)?
Pois é. Este licenciamento é exatamente o de atividades econômicas! Aquele que as pessoas físicas e jurídicas precisam solicitar o alvará para desenvolver as atividades econômicas!
Então, vejamos; a recém criada Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação (SMDEI) não é a responsável pela simplificação na obtenção dos alvarás das atividades econômicas, nem do seu controle! Mas, por outro lado, recebeu a atribuição do licenciamento urbanístico e ambiental, cujo fundamento do licenciamento não é econômico, mas sim de controle qualitativo do bem-estar dos cidadãos e das funções sociais da Cidade, conforme explicitado no artigo 182 e 225 da Constituição Federal.
artigo 182: A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal (…) tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
artigo 225: Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, (…), impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Ratificando, os licenciamentos urbanístico e ambiental têm como fundamento jurídico de suas existências não o fomento de atividades econômicas (ou a sua desregulamentação), mas a garantia do bem-estar urbanístico e ambiental dos cidadãos. Fora disto, a atividade do poder público municipal, com outro objetivo (o econômico), constitui o que se chama em direito administrativo desvio de finalidade.
2. E mais. Está ainda sob a tutela da Secretaria da Fazenda a Agência de Fomento do Município do Rio de Janeiro S.A. que serve exatamente para fomentar atividades econômicas!
O que faz a Agência de Fomento no âmbito da Fazenda, se a SMDEI está sendo criada exatamente para agir no fomento destas atividades privadas no Município?
Parece então que há algo disfuncional na estruturação da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, já que a parte substancial do licenciamento das atividades econômicas (junto com todo o corpo funcional que realiza estas atividades) continua sob a tutela da Secretaria da Fazenda! Ou pretendia-se fazer o desmonte do licenciamento urbanístico-ambiental da Prefeitura sob o pretexto de sua simplificação e suposta eficiência?
3. No tocante ao licenciamento urbanístico, registre-se que o seu procedimento não se resume apenas à verificação da compatibilidade com as regras de uso e ocupação do solo. Muitas vezes é necessária a consulta a outros órgãos da Prefeitura, como à Secretaria de Transporte e/ou à secretaria que cuida da Infraestrutura, à Geotécnica, de modo a verificar se pedidos de obra ou de parcelamento, especialmente os de grandes e médios projetos, necessitam de incremento na infraestrutura instalada de serviços de transporte, água, saneamento básico, energia, escola, posto de saúde, dentre outros. Portanto, continuará a necessidade de consulta a outras secretarias para se fazer licenciamentos mais complexos. Por que não foi criada uma coordenação geral de licenciamento para acompanhar as várias etapas deste procedimento junto às várias secretarias tecnicamente responsáveis por cada área?
4. Há de se recordar também que uma parte significativa do licenciamento urbanístico ficou fora da SMDEI; trata-se do exame do licenciamento em áreas do patrimônio cultural. Esta área, representada pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), saiu da Secretaria da Cultura e foi parar na Secretaria de Planejamento Urbano! Vejam; a Secretaria do Planejamento Urbano não cuida mais do licenciamento e fiscalização urbanística, mas cuida do licenciamento e fiscalização de projetos que atingem o patrimônio cultural da cidade! Dá para entender?
5. Finalmente, uma última observação importantíssima: a questão da fiscalização das obras licenciadas, ou não (irregulares). Embora não esteja claro, a SMDEI não só licencia, como também passaria a fiscalizar as obras licenciadas (ou não) do ponto de vista urbanístico (leis de uso e ocupação do solo). Mas, o mesmo não acontece com o licenciamento ambiental, que passa a ser feito por esta secretaria, a SMDEI. Pelo decreto 48.481/2021 o licenciamento ambiental a ser feito pela SMDEI será fiscalizado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAC)! Isto é simplificar? Ou a fiscalização ficará capenga, já que a SMAC terá que entender o que foi licenciado pela SMDEI para poder fiscalizar?
Decreto 48.481 (…): art. 4º Compete à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação – SMDEIS, por intermédio da Subsecretaria de Controle e Licenciamento Ambiental – SUBCLA, o licenciamento de que trata o art. 2º, III, da Lei 2.138 de 11 de maio de 1994, assim como as atribuições previstas no Decreto 40.722, de 08 de outubro de 2015 e suas alterações.
Parágrafo único. Excluem-se das atribuições da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação – SMDEIS aquelas relacionadas à fiscalização e aplicação de sanções dela decorrentes, que permanecem na Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Cidade – SMAC.
Finalmente, reiteramos a posição deste blog no sentido de que mudanças estruturais no esqueleto administrativo da Prefeitura não podem – e não devem – ser feitas por decreto; não só porque a Câmara deve participar destas reestruturações, pois elas afetam diretamente a vida dos cidadãos no atendimento da prestação dos serviços públicos da Cidade, mas também porque a Lei Orgânica do Município diz, explicitamente, que estas alterações estruturais devem ser feitas por lei (art.44,VIII c/c art.123 da LOM).
Com as modificações das estruturas administrativas sendo feitas por lei – e não por decreto de cada novo Prefeito -, espera-se que elas sejam menos voláteis, pois alterações conjunturais, sem avaliações transparentes que as justifiquem, visam mais acomodar acordos políticos partidários do que atender à conveniência de melhor prestação dos serviços públicos.
Com a volta do funcionamento da Câmara neste mês de fevereiro esperamos que os vereadores tenham brio, e assumam plenamente suas competências legislativas e de fiscalização dos atos do Executivo, recolocando nos trilhos as extravagâncias político-administrativas do Prefeito da Cidade.
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