Roberto Anderson: Como o Rio perdeu uma universidade
Excelente artigo do arquiteto Roberto Anderson publicado originalmente no Diário do Rio.
As ações e as soluções políticas são imediatistas, muito pouco planejadas e estudadas. A degradação permitida, e posterior implosão de prédios e infraestrutura que funcionavam como uma universidade, é lamentável. A criação de novo parque em Piedade, depois da desgraça da desídia, é um alento. Mas, fiquemos atentos, pois o atual governo municipal que paga pelo futuro Parque, prega e age para privatizar espaços antes públicos, como o Jardim de Alah, o antigo Autódromo da Barra, a Marina da Glória (que até loja de motos tem), o Parque de Deodoro, terreno do Batalhão da PM no Leblon, e não mantém nem as Vilas Olímpicas nas comunidades!
Em todos os casos, primeiro se paga para publicizar e depois diz que não tem dinheiro para manter. E então privatiza-se novamente para alguns. É o que acontece desde sempre no Brasil.
Roberto Anderson: Como o Rio perdeu uma universidade
A UGF teve sua origem no Colégio Piedade, comprado em 1939 por Luís da Gama Filho, futuro Ministro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, depois de uma carreira política. Muito antes disso, Gama Filho foi motorista de caminhão e vendedor de querosene
Em 2021 o prefeito Eduardo Paes promoveu a desapropriação do campus da antiga Universidade Gama Filho-UGF. Infelizmente, um pouco tarde, já que essa foi uma ação pedida ainda na década passada, pela maioria dos deputados estaduais, por professores e por estudantes. Visavam tentar salvá-la como instituição de ensino. No último fim de semana, depois de anos de abandono, quatro prédios da Gama foram implodidos pela Prefeitura, entre eles o edifício sede, projetado pelo arquiteto Edison Musa, e as instalações do antigo teatro Dina Sfat. Parte do campus deverá ser transformado num centro de educação e cultura da Fecomércio, e a outra parte num parque municipal.
A UGF teve sua origem no Colégio Piedade, comprado em 1939 por Luís da Gama Filho, futuro Ministro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, depois de uma carreira política. Muito antes disso, Gama Filho foi motorista de caminhão e vendedor de querosene. Em 1951, com a abertura do curso de Ciências Jurídicas, teve início a história da universidade. Em 1965, surgiu o curso de medicina e logo vieram os de engenharia, arquitetura, comunicação social, odontologia, serviço social, educação física, além de cursos de mestrado e MBA.
Muitos bons profissionais dessas áreas lá se formaram. Seus cursos eram bem considerados. Na educação física, por exemplo, a Universidade teve grande projeção, já que investiu em esportes de alto rendimento, participando de campeonatos estaduais e federais.
Em 2010 a UGF foi comprada pelo Grupo Galileo, que também se tornou proprietário da UniverCidade, e mais tarde foi acusado de ter desviado milhões de reais. Em 2011, a universidade chegou a anunciar investimento de 17 milhões de reais na área esportiva. No entanto, dois anos depois a qualidade do seu ensino foi questionada pelo MEC, o que impediu a entrada de novos alunos e a elaboração de novos contratos do Fies e de financiamento de bolsas do Prouni.
Em 2014 ocorreu o descredenciamento da Universidade pelo MEC, um golpe mortal, que levou ao seu fechamento. As avaliações mais detalhadas das instituições de ensino superior pelo MEC foram ações bem-vindas, mas, muitas vezes, como também ocorreu com a Santa Úrsula, ajudaram a empurrar para o abismo instituições que já vinham com problemas financeiros.
O encerramento das atividades da Gama Filho provocou gigantescos problemas para os alunos às vésperas de se formar, para os que, mesmo formados, ainda não tinham recebido seus diplomas e para os demais, que precisaram buscar a conclusão de seus cursos em outras instituições. A universidade era importante demais para o bairro de Piedade e para a Zona Norte. Para aquela área, ela tinha o peso simbólico que a PUC tem para a Zona Sul. Seus milhares de alunos movimentavam negócios no bairro, que entraram em crise com o fechamento da instituição.
Buscando uma solução para o enorme problema que se formava, em 2014 o então deputado Jorge Bittar propôs a desapropriação da estrutura da Gama para a criação de uma universidade pública. Naquele mesmo ano, o deputado Paulo Ramos apresentou projeto nesse sentido, que foi vetado pelo governador Pezão.
Em 2016, ano em que o Tribunal de Justiça decretou a falência do grupo Galileo, a Alerj aprovou novo projeto permitindo ao governo desapropriar o campus da Gama Filho, ainda com o intuito de torná-lo uma universidade pública. O projeto era da autoria dos deputados Paulo Ramos e Waldeck Carneiro e seria uma solução que, além de atender o interesse público, era aceita pelo grupo mantenedor da instituição.
Como nossos governantes são bem obtusos, o governador Pezão, demonstrando o seu desinteresse nesse tipo de solução, voltou a vetar o projeto de lei aprovado na Alerj. Esse segundo veto do governador foi derrubado pelos deputados, mas mesmo assim o governo não tomou nenhuma providência. Naquele ano, o atual prefeito do Rio estava no seu segundo mandato, portanto já bastante experiente. Mas, tampouco se moveu para evitar o fechamento da universidade.
É difícil aceitar que uma cidade como o Rio de Janeiro, e o Estado do Rio, tenham podido assistir ao fechamento de uma universidade, ainda mais uma do porte da Gama Filho, sem que os governantes nada tenham feito. Agora veio mais uma implosão. A do viaduto da Perimetral gerou uma área de lazer, mas a absurda implosão da antiga fábrica da Brahma só gerou um elefante branco plantado junto ao Sambódromo. O futuro parque e o centro de recreação e cultura poderão trazer benefícios a Piedade e vizinhança, e serão melhores do que um terreno abandonado. Mas, nunca terão o potencial de transformação de vidas que uma universidade tinha.
Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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