Urbanismo sem controle judicial no Rio: o PEU das Vargens
Tribunal de Justiça do Rio diz que não pode julgar a constitucionalidade de uma lei que dá regras urbanísticas para um bairro porque entende que, de direito, aquelas regras não são propriamente leis!
É isso, trocando em miúdos, o fundamento jurídico alegado pelo voto vencedor, e que resultou na decisão do Órgão Especial do Tribunal do Estado Rio, a favor da manutenção da vigência da lei do PEU (Plano de Estruturação Urbana) das Vargens – Lei Complementar n.104/2009.
O julgamento que ocorreu no último dia 4, foi decorrente da Representação de Inconstitucionalidade da famigerada LC104/2009, proposta em julho de 2011, pelo Ministério Público Estadual, através de seu procurador-geral, a pedido de alguns vereadores da Câmara Municipal.
A ação fundamentou-se, “dentre outros vícios”, no fato de não ter aquela lei, cumprido as formalidades necessárias à sua constitucionalidade, especialmente não ter sido objeto de audiências públicas para atender o requisito de participação popular em sua formulação, audiências estas previstas tanto na Constituição Estadual quanto Federal e na Lei Orgânica do Município
O Tribunal nem mesmo julgou o mérito da ação, ou seja, não examinou nem mesmo se a lei cumpriu ou não a determinação constitucional. O voto vencedor, acolhido pela maioria dos desembargadores (e cujas partes destacamos abaixo), diz que a lei do PEU não pode ser objeto questionamento de constitucionalidade por ser “medida materialmente administrativa”, embora veiculada por lei.
Isto porque esta lei estaria dando concretude às normas do Plano Diretor!
A consequência desse julgamento do TJ-RJ leva ao absurdo teratológico de que nenhum PEU da cidade do Rio, e de qualquer outra cidade do Estado, ou mesmo nenhuma lei de zoneamento, uso e ocupação do solo, possa, daqui para frente, ser objeto de controle de constitucionalidade na Justiça do Estado, ainda que seja inconstitucional como o é o PEU das Vargens que não atendeu o requisito formal de audiências públicas.
Esqueceram-se os desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio, que acolheram o voto vencedor, que as leis urbanísticas, como quaisquer outras leis, podem ter um conteúdo de maior ou menor de concretude, mas que, indiscutivelmente, guardam a característica de generalidade, própria das leis primárias – materialmente normativas.
Generalidade é também uma característica de atos materialmente normativos! Toda a Teoria do Direito diz isso, quando não distorcida. E, sendo assim, mesmo tendo com um conteúdo aplicativo menos abstrato, esse fato não transmuta esta tipologia de leis em atos administrativos.
Esses últimos têm, como características elementares não só a concretude, mas também a individualidade.
Este julgamento, em época de descontrole dos atos normativos municipais frente à Constituição é um retrocesso. E, para o nosso inexistente planejamento urbano, uma completa lástima.
Vejam abaixo os destaques que faço do voto vencedor e os links para os votos completos.
(…)”10.Contudo, há impossibilidade de a norma ser objeto de controle abstrato, uma vez que ela não busca seu plano de validade na Constituição Estadual, sendo norma executiva, portanto secundária” (…) 12. O zoneamento daquelas áreas visou atribuir a cada setor utilização específica, compatível com sua destinação de acordo com o uso e a ocupação do solo. 13. Embora a norma impugnada tenha forma de ato normativo primário (lei complementar), ela é materialmente secundária, pois é ato da administração, conforme determinação constitucional. (…)19. Desse modo, verifica-se que o plano de urbanização não se confunde com o plano diretor. Isso porque as atribuições municipais no campo urbanístico se desdobram em dois setores distintos: o da ordenação espacial, consubstanciada no plano diretor, e nas normas de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano e urbanizável, abrangendo o zoneamento, o loteamento e a composição estética e paisagística da cidade (…) 21. Por sua vez, o plano de estruturação urbanístico (PEU) se constitui uma norma de uso, que deve observar as diretrizes estabelecidas pelo plano diretor. Daí porque constituem atos concretos de administração. (ut Hely Lopes Meirelles, op cit, p. 550).
22. Diante disso, verifica-se que a LC 104, apesar de formalmente primária, veicula medida materialmente administrativa. 23. A natureza de ato concreto da norma está dissonante ao que dispõe o art. 161, inciso IV, alínea a, da Constituição Estadual, que somente admite a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.”
(grifos nossos)
¡Increíble! Una vergüenza para el derecho urbanístico brasileño. Hay que volver a lo que James Holston escribió sobre el sistema judicial de ese querido país en “The Misrule of Law: Land and Usurpation in Brazil”. Comparative Studies in Society and History, 33, 1991
O acaso deberíamos construir un “Indice Latinoamericano sobre la Capacidad de los Jueces para resolver en contra de la Ley”