Jardim Botânico: história da persistência

Em 1987, foi protocolada na Justiça Federal uma ação judicial, dentre outras centenas, na qual a União, através do Ministério do Meio Ambiente, pede a reintegração de posse à ocupante da área pública tombada, de uso comum do povo – o Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Vinte e quatro anos depois, em 2011, o juiz federal da 27ª Vara Federal, José Carlos Zebulum, reitera à União a ordem Judicial de desocupação do bem  público, cuja providência havia sido suspensa a pedido de outro órgão da própria União – o SPU (Secretaria de Patrimônio da União).

O Direito da União de reaver o dito imóvel, integrante do patrimônio público inalienável, já estava decidido nesta e em centenas de outras ações judiciais já julgadas pela Justiça Federal. Restava cumpri-las.

Mas a União, ante a iminência de ter que reaver o Direito público que tutelava, reluta e começa a “construir” uma outra tese jurídico-administrativa: a de como abrir mão do seu Direito. A tese era a da regularização fundiária de parte da área do Jardim Botânico.

O conflito – As ações judiciais de cumprimento foram paralisadas por consequência de vários ofícios dirigidos aos Juízos Federais pela Advocacia Geral da União (AGU), que não sabia se atendia a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), cujo grupo de dirigentes defendia a tese da regularização, ou ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro, autarquia federal que, ao ser criada, passou a ser dona e tutora legal da área ambiental.

Deu-se o conflito dentro do Governo Federal acerca do cumprimento, ou não, do Direito já reconhecido na Justiça Federal.

Fora do Governo, os ocupantes da área, que foram crescendo em número durante décadas, lutavam com todas as forças pelos seus “direitos” à regularização, não só pela segurança da moradia, mas para se tornarem proprietários, senão plenos, ao menos com direitos imobiliários de concessão real de uso registrados, o que, ao fim e ao cabo, têm efeitos jurídicos de quase propriedade plena.

Do outro lado estava uma outra parte da sociedade civil, que começou a se reorganizar, sobretudo através da Associação de Moradores do Jardim Botânico (AMA-JB), e que via com muitas restrições os estudos avançados de regularização fundiária da área ocupada.

Este movimento de resistência teve amplo apoio da imprensa do Rio e da sociedade em geral. Mas, como fazer para reverter a opinião da Secretaria de Patrimônio da União?

Tribunal de Contas da União

Lembro-me que, nesta época, em 2009, fui procurada por membros da AMA-JB para auxiliá-los na construção jurídica da defesa da preservação pública do bem. Aderi de imediato ao desafio, até porque, nos idos 1985, já havia participado do mesmo movimento, com Aloísio Magalhães, na Fundação Pró-Memória (onde eu era chefe do Jurídico) e Carlos Alberto Xavier, então diretor do Jardim Botânico, em defesa da área.

Com o novo grupo concluímos que se os órgãos, dentro da própria União, divergiam sobre a tutela do patrimônio público federal, restava colocar mais uma entidade neste processo – o TCU (Tribunal de Contas da União), órgão da estrutura do Poder Legislativo.

Por que o TCU?  Explico: é que pelo art.71 (vide abaixo) da Constituição Federal, cabe a este órgão do Poder Legislativo a fiscalização, em última instância, sobre os bens públicos federais, julgando as contas dos seus gestores.

Daí surgiu a petição da AMA JB ao TCU, cujo conteúdo, em última análise, era a exposição da impossibilidade jurídica de se aplicar, in casu, as normas de regularização fundiária, em função da incidência de uma série de outras normas jurídicas especiais que protegiam aquele bem público, tornando-o inalienável por natureza – especialmente o tombamento cultural pelo IPHAN, e pelo fato de ser uma Unidade de Conservação permanente, protegido pela legislação de Meio Ambiente; além de tudo havia a da incidência da legislação urbanística e ambiental do município do Rio, que protegia individualmente o bem público.

Escrevemos, à época, e posteriormente, vários artigos neste blog, que explicam a situação jurídica da área, e o motivo da nossa posição a favor da preservação integral do bem, de acordo com a finalidade pública para o qual foi criado. (veja os links abaixo)

O TCU, depois de quase dois anos de estudo do processo, acolheu a posição de que um bem tombado, unidade de conservação, não poderia ser objeto de alienação e, portanto, de regularização fundiária para fins de estabelecer lotes para moradia. Mas, restava determinar então, qual era de fato, e de Direito, a área do Jardim Botânico que, como disse, nunca havia sido definitivamente demarcada.

Para cumprimento desta decisão do TCU foi criado o novo grupo de trabalho federal, composto de todos os órgãos federais em conflito, para saber qual a área tombada e preservada do JB. Aí, imaginamos, que possa ter havido, no grupo, tentações para diminuir a área, visando contornar a decisão do TCU, tirando-lhe a eficácia real.

Direito ao patrimônio público – Pelo anúncio feito nesta terça-feira, dia 7, pela Ministra do Meio Ambiente, supomos que, felizmente, esta tentação foi vencida. É a vitória, sem demagogia, do direito ao patrimônio público, que é um direito de todos: pobres e ricos da cidade e do país.

É um Direito – o público e coletivo – que deve prevalecer sempre. E isso não deve ser visto como uma desconsideração ao legítimo direito de moradia, que é devido não só aos habitantes (os sem recursos) daquela área, mas como a todos os sem recursos da cidade. 

Mas, este legítimo direito individual não deve ser alcançado em detrimento dos direitos públicos, ambientais, urbanísticos e culturais, que pertencem à sociedade como um todo.

Esta é a vitória da persistência de muitos brasileiros que agem na proteção do nosso patrimônio  mas, sobretudo, sem esquecer daqueles que, há mais de 30 anos, começaram essa luta, e que já não mais aparecem nas manchetes dos jornais.

A todos, a nossa alegria por mais esse passo em direção à preservação de uma Cidade, que é o Patrimônio de todos nós.

Constituição Federal:

art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União (…)

Confira também nossos posts anteriores sobre a questão:

“Habitação, Jardim Botânico e a Prefeitura: responsabilidades”

“Jardim Botânico e a arte de administrar conflitos”

“Jardim Botânico do Rio: verdades e mentiras legais”

“Jardim Botânico é um bem público: quais os seus limites?”

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8 Resultados

  1. Cristina Reis disse:

    Sonia, a área que foi demarcada pela Ministra do Meio Ambiente, desde que me conheço por gente, nunca foi tombada. Pelo que entendo, lá pelos anos de 1967 frequentei muito o Horto, principalmente, a parte que toca do Clube Caxinguele e o SERPRO, pois, trabalhei como digitadora de imposto de renda, e que não era uma região de invasão. Frequentamos residências que não eram favelas, A própria Empresa Globo usufrui de uma grande parte dos terrenos que foram doados, na época da ditadura. Se os moradores erraram em morar nas terras da União, pois, a União também errou por ceder os terrenos que eles dizem preservados aos seus próprios órgãos públicos e as empresas privadas. E agora, de repente, dizem que as terras não pertencem aos seus moradores que estão por mais de 60 anos. Muitos moram lá antes da existência da Globo e do SERPRO. Até a rua Castorina, fora da área de demarcação, deveria então entrar também na questão de terrenos invadidos.. Mas a “lei’ ou a decisão da União serve para uns e não para outros? É muito estranho. Eu gostaria que a senhora lesse o dossiê do Comitê Popular dos Megaeventos que há mais de dois anos, entre outros bairros da zona sul, consta o Jardim Botânico como um dos pontos turísticos para atender a demanda de milhares de estrangeiros que virão a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Coincidência, que agora todos os olhares se voltam para o Jardim Botânico e o Horto? Outra questão levantada, que é a AMA Jardim Botânico que se diz agir na proteção de um bem público e cultural, olhou só para o seu umbigo, como sempre faz e fez a elite que vive em seu mundo medíocre. A da falta de respeito e de ajuda com uma outra associação de moradores co-irmã. Estão preocupados só com seus latifúndios? A minha cerca não pode se derrubada, mas a dos outros podem. Os meus bois não tem pasto em minhas terras, mas a dos outros, a grama é verde.

  2. Anônimo disse:

    A ocupação da area do Jardim Botânico aconteceu de forma ilegal, seja por Invasão ou concessão. Se o área é patrimonio publico não pode ser moradia de pobres ou ricos.
    A lei tem que ser cumprida ou entåo deixa todo mundo invadir e vai virar um favelão…

  3. Claudia Nascimento disse:

    Excelente, como sempre, Sonia!
    O direito à moradia é uma questão grave, de fato, mas o direito de morar em determinado local nem sempre é garantido com a legalidade devida. E a legalidade perpassa pela legalidade técnica, de construir em áreas impróprias e inseguras, sem o mínimo de condições de saneamento, saúde e habitabilidade.
    Entendo totalmente o posicionamento da Lilian (como não entender, né!), mas, por mais antiga que seja a ocupação, o Jardim Botânico é ainda mais velho. E a proteção do JB, quer por tombamento, por legislação urbanística ou ambiental visa, na verdade, o direito de que TODOS, no tempo, no espaço e nas suas especificidades, possam ter acesso ao que o Jardim Botânico possa fornecer, quer como história, quer como ambiente construído e natural.
    Sou carioca, como a Lilian, como você, Sonia, e como tantos mais, porém moro em Belém/PA, e acompanhei o avanço do Boréu sobre o Parque Nacional da Tijuca. O meu direito de circular na Floresta da Tijuca, foi proibido um dia. Não por ser proibitivo, perigoso, mas um homem surgiu, nos idos da década de 1980, no meio da trilha que era meu caminho conhecido, dizendo que eu não poderia seguir mais por ali. Me roubaram algo mais valioso que qualquer coisa: minha liberdade de ver e rever algo que deveria estar disponível a mim, e a todos, para sempre.
    Acho que a Lilian tem o direito de morar onde sempre morou, mas não no mesmo lugar, que não lhe pertence de fato. Ela tem o direito de ter acesso rápido e eficiente aos serviços que lhe são necessários, como todos nós. Quero muito que ela possa dizer que a história do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, mais que uma história elitizada dos tempos coloniais, é também a história dela, pois toda a história é construída sobre fatos (nem sempre harmônicos), assim como eu tenho orgulho de dizer que minha família migrante portuguesa cresceu no Morro do Amor, no Lins de Vasconcelos, início do século passado, embora eu jamais tenha coragem de subir. Ao menos, no caso da Lilian, a perda da referência vai ser motivo de orgulho no futuro, embora ela, agora, não perceba.

  4. lilian disse:

    PORQUE as pessoas ao inves de falarem,venham nos visitar,não somos invasores.moramos e queremos continuar aqui no HORTO,porque não?porque não podemos ficar?para que sair daqui do HORTO?sair pra que?ir pra onde?se ja temos nossas casas?sair daqui?ja temos nossas casas ,e queremos continuar aqui,no HORTO,nunca invadimos nada.meu avo,trabalhador do jardim botanico,funcionario,como todos aqui que estamos,só queremos viver um pouco em PAZ,pois a vida é uma só e viver é bom,deixa vivermos aqui em PAZ,deixa a gente ficar aqui no HORTO,ja temos as nossas casas,so queremos continuar,…………………………………………………..

  5. lilian disse:

    essav area nunca foi tombada nada ,nem do jardim botanico nunca foi ,essa aera q estao dizendo,sinto muito,nunca foi tombada nao,porque não deixa a gente morar em paz em nossas casinhas com nossas familias,nós trabalhamos como todos,meu filho ja graças a DEUS,esta trabalhando aos 15anos,meu esposo c 52 anos,foi funcionario do antigo IBDF,eu,agora fazendo tratamento de quimioterapia,no hospital da lagoa perto de casa,só quero ficar curada e ficar morando c todos q vivem aqui as 525familias,quero trabalhar quando ficar boa,e continuar aqui no HORTO,pois amo minha familia,e todos q aqui estao,HORTO,nasci aqui,e todas as 525familias aqui vivemos e aqui queremos ficar,porque não?porque tirar?morar aonde?se ja temos nossas casas,nosso lar,nossas familias,eu quero continuar aqui pois invasora nunca fui,meu avo trablhou muito ,ralou muito por jardim botanico,palacio do catete,ministerio da agricultura,e eu sou uma GUERREIRA SIM,deixa a gente viver em paz,prque naõ?DEIXA A GENTE EM PAZ EM NOSSAS CASAS,OBRIGADO!

  6. lilian disse:

    primeiro lugar ,essa aerea q moramos,na administraçao do jardim botanico ,deram,para nós morarmos,foi dada a aerea,foi dado o twerreno para morar,e aqui estamos,!eu estou aqui a44anos,minha mae tem 61,e outros c mas idade,minha avo,c 87anos foi,,m

  7. Sonia Rabello disse:

    Defendemos os bens públicos, que pertencem a toda a coletividade: parques, áreas verdes, praças, calçadas, hospitais, áreas para escolas, equipamentos públicos de esportes, etc… Nos opomos a que os 2 milhões de metros quadrados públicos, no Porto e em Jacarepaguá (área do Autódromo) sejam privatizados qualquer destinação à habitação social. Meu projeto de lei de destinação de área para habitação social no Porto tramitou durante 2 anos na CMRJ, e nunca recebi qualquer palavra de apoio de qualquer movimento de habitação popular, até que ele saiu de pauta a pedido do então líder governo, e foi arquivado. Quando me opus à doação de 5 hectares de terras por 100 anos à GE, no Fundão, também houve um profundo silêncio. Ora, não é a falta de terras públicas no Rio que obsta o acesso a moradia, mas que haja uma luta coerente, e a longo prazo, contra os políticos, festejados, que dilapidam o patrimônio público em grandes privatizações, enquanto migalhas são disputadas pelo pobres. Venha, cara Louise, à zona norte do Rio, às próximas reuniões do Fórum da Grande Leopoldina, e vc verá que a luta pelos espaços públicos conservados, íntegros e não apropriados não é um desejo da “zona sul”. SR

  8. Quem dera se o que ameaçasse o meio ambiente no Estado do Rio de Janeiro fosse o direito de moradia de um punhado de famílias pobres, vivendo numa área mínima… Está aí uma prova de que, no Brasil, por motivos que sabemos bem, o movimento ambientalista desenvolveu-se completamente alheio às preocupações sociais, como se o homem também não integrasse a natureza e como se sua qualidade de vida não estivesse diretamente ligada à preservação ambiental. Não acredito que pessoas que lutam ferrenhamente para arrancar famílias sem recursos de uma parte da cidade que já foi ocupada há décadas por moradias de alto padrão estejam preocupadas com a preservação da natureza. Será que todas as construções do Jardim Botânico estão totalmente de acordo com a legislação ambiental? E se não estiverem, vão expulsar as famílias ricas do bairro, ou isso só vale para a “favelada” que não reconhece seu lugar na cidade? E será que era realmente impossível conciliar o direito à moradia com a preservação do meio ambiente? As famílias não podiam simplesmente ser orientadas a agir de modo a preservar o local? Direitos sociais e ambientais são excludentes? Ah, por favor! Estamos fartos de ver as associações de moradores da Zona Sul e da Barra utilizando mil e um subterfúgios para empurrar a “ralé” para as margens da cidade. É uma pena que o discurso ambientalista tenha sido apropriado por essa gente.

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