“A cidade e o Porto”: o que restará?
“A Cidade e o Porto” foi o tema da palestra de Sérgio Lamarão, no último dia 27, na Casa Rui Barbosa. Emocionante para os amantes do Rio. Sua exposição nos fez reavivar a certeza que uma cidade só se identifica pelos seus marcos históricos.
O Porto do Rio é um dos ícones mais significativos da identidade da Cidade do Rio. E o que me parece lamentável é que o modelo “desenvolvimentista” para o chamado “Porto Maravilha”, do atual governo municipal, conduzirá ao paulatino enterro da história do Rio.
Ironicamente, o atual prefeito, pretendendo ser um novo Pereira Passos, autoriza a a descaracterização da obra de seu antecessor com a projeção de torres à la “Trump Towers” que obstaculizarão a paisagem cultural da Cidade,
Um resumo do que ouvi – Desde 1830, o Porto do Rio passou a ser estratégico para o país em matéria de exportação e importação: café, madeira, açúcar, cal e, infelizmente, seres humanos também.
Nesta época, foram feitos os primeiros aterros no local e os primeiros armazéns, chamados de trapiches. Hoje, a história destes trapiches ainda poderia ser parcialmente desenterrada, já que partes deles encontram-se no local, a exemplo do que se encontra embaixo da construção do novo prédio do Banco Central! Será isso mostrado?
Face a importância do Porto para a Cidade do Rio, a área sempre foi objeto de muitos projetos. Na segunda metade do século XIX, destacaram-se os projetos das “docas de D.Pedro II”, o “Terminal Marítimo da Gamboa”, as edificações do “moinho Inglês” (só resta a chaminé) e o “Moinho Fluminense” (atualmente, ainda lá).
Tudo tinha a ver com a possibilidade de atracação de navios de calado e circulação de mercadorias: seus custos e facilidades. O Porto do Rio fervilhava.
No início do século XX, a cidade com cerca de 800 mil habitantes, o seu porto já se mostrava insuficiente para as atividades mercantis de carga, não obstante o desembarque de passageiros que se dava, então, na Praça XV.
Nas cercanias do Porto, o ambiente era insalubre, com moradias precárias e ruins. Epidemias eram constantes, o que apontava para necessidade de reformas que contemplassem a salubridade da área.
Segundo Sérgio Lamarão, a reforma urbana de Pereira Passos teve como eixo central de partida o Porto do Rio. Foi de lá que partiu o “desenho” para o eixo monumental da Avenida Central (hoje a irreconhecível Avenida Rio Branco), ocasionando o bota-abaixo daquela área da cidade.
Interessante a observação feita de que a dita reforma Pereira Passos foi, de fato, capitaneada pelo governo federal de Rodrigues Alves.
A Comissão Fiscal e Administrativa das Obras do Porto (1903) era federal, e foi a partir dela que as grandes obras no local foram “coordenadas, planejadas” e pagas: dragagens, construção de fundações, muralhas e aterros, armazéns e infraestrutura viária e ferroviária e docas. Para tanto a cidade perdeu morros, como o da Ilha das Moças e a do Senado.
Realinhamento – Já no final da primeira década do século XX, a Cidade teve realinhado o seu novo Porto, com um custo bastante alto. E, o Porto do Rio atravessou o século XX como marca que caracteriza esta cidade: ser portuária.
Portanto fica a pergunta: o que vai restar desta memória da cidade no novo planejamento do chamado Porto Maravilha, se é que há um planejamento urbanístico para a área?
Há algum projeto de arqueologia histórica programado, que resgate e revele esta história da nossa Cidade ? Será que o programa de ocupação da área com grandes prédios irá descaracterizar os padrões planos desta área histórica ?
Se as respostas para as perguntas acima forem afirmativas, pergunto: por que estamos deixando esta memória urbana se esvair da nossa Cidade?
O professor Sergio Lamarão, em sua exposição destacou ainda o trabalho de Maria Inêz Turrazi, em seu livro “Um Porto para o Rio”, como belo álbum iconográfico desta área da Cidade, cuja capa reproduzo.
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Ótimo artigo, professora. Obrigado por relatar com propriedade e personalidade a exposição técnica do professor Sérgio Lamarão sobre a desdita do porto da Cidade, na gestão desse que se supõe ser a reencarnação de Pereira Passos – que o verdadeiro me perdoe pela blasfêmia. Gostaria de perguntar duas coisas: por que não incluir esse inadiável tema no programa de candidatura da coligação? e também gostaria de saber por que os órgãos oficiais relacionados ao Porto do Rio não têm-se manifestado sobre a real e ameaçadora perspectiva do 2º maior porto do País em valores de movimento ter sua capacidade produtiva e arrecadadora afetada mortalmente?
Obrigada pelo comentário, Fábio.