Leis concretas, inconstitucionais, prejudicam o Município? Caso de lotes non aedificandi

Em 1986, o prefeito Marcelo Alencar, por decreto, declarou non aedificandi oito terrenos na borda da penedia do Corcovado. A não edificabilidade desses terrenos se justificava pela situação geológica dos mesmos, conforme consta no decreto. Era um fundamento muito plausível, pois qualquer edificabilidade no local significaria supressão de mata (Atlântica), e cortes significativos na rocha da icônica montanha carioca, símbolo da paisagem carioca, hoje patrimônio mundial.

Apesar dessas razões ambientais importantíssimas, aquela decisão deu causa a um gigantesco processo judicial, com pedido de indenização contra o Município. No primeiro round deste processo houve decisão de indenização que girava em torno de R$ 500 milhões ! Felizmente, por ação de alguns bons procuradores do Município, a execução desta quantia contra o Município foi, por ora, suspensa, e deverá ser revista. E por que isto nos interessa agora?

Por que a Câmara Municipal do Rio, extravasando a sua competência em fazer leis, resolveu declarar dois outros terrenos caríssimos, na Zona Sul, como áreas non aedificandi. E, desta vez, sem as justificativas fáticas que motivaram, administrativamente, o caso acima relatado.

O primeiro novo caso é o da Lei Complementar 151/2015, proposta por dois vereadores, vetada pelo ex-prefeito Paes, mas cujo veto foi, irresponsavelmente, derrubado pelos vereadores da legislatura anterior. A lei é inconstitucional, pois corporifica não um ato legislativo, mas um ato típico da administração pública, que deve ser tecnicamente fundamentado.

Contudo, ainda não localizamos a propositura da Representação de Inconstitucionalidade determinada em despacho do ex-prefeito (DO.Rio 8.4.2015), e que evitaria um rombo indenizatório nas futuras finanças municipais. 

 

O segundo caso ainda está em tramitação na Câmara. Trata-se do projeto de lei complementar 164/2016 que pretende dar o mesmo tratamento non aedificandi a um terreno de esquina na Avenida Borges de Medeiros, na Lagoa.

Ora, se a borda pública da Lagoa, que é área tombada e ambiental vem recebendo inúmeras edificações e restaurantes (Estádio de Remo), parquinhos e até, do outro lado, uma nova arena-shopping (clube do Flamengo), por que cargas d´água um mero terreno de esquina, logo este, haveria de ser non aedificandi?

Sabemos que leis pontuais não atendem ao princípio da igualdade, impessoalidade e isonomia que a Constituição Federal manda que sejam tratados todos os cidadãos; seja para dar benefícios a alguns, como no caso da lei que modificou a forma de ocupação do terreno do Clube América, na Tijuca, seja para declarar situações específicas, como a não edificabilidade de um único terreno.

A Câmara do Rio, infelizmente, vem se aprimorando em fazer leis específicas para casos e pessoas tidas como especiais. E isto traz consequências desastrosas para a cidade, seja para seu (não) planejamento urbano, seja para possíveis indenizações bilionárias. Tudo em função de agradar, circunstancialmente e irresponsavelmente, a um grupo de possíveis eleitores.

E quem vai pagar, no futuro, pelas consequências desastrosas de uma “lei” feita e direcionada para um caso concreto?  Trocar legislação por voto de eleitores não seria também uma forma de desvio eleitoral?

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