Artigo| Energia do erro

Neste artigo, Marina Silva destaca que, hoje, a produção de energia está submetida, a um equívoco estratégico e que estamos comprometendo nosso futuro com opções energéticas do passado, em vez de abraçar as oportunidades e potenciais que temos pela frente.

“China e EUA, os dois maiores emissores de gases do efeito estufa, divulgaram nas últimas semanas amplo plano de ação para reduzir suas emissões, incluindo aumento da eficiência energética, desenvolvimento de redes elétricas inteligentes e forte incentivo às fontes alternativas e renováveis.

Quase ao mesmo tempo, o Banco Europeu de Investimento decidiu não mais financiar usinas movidas a carvão. Os gigantes da poluição mundial começam a fazer inflexão na trajetória, para se alinhar na luta contra o aquecimento global e as mudanças climáticas.

No Brasil, o avanço é o do retrocesso. O governo prepara-se para um leilão de energia daqui a um mês e inclui as termelétricas a carvão, agora não mais na condição de reservas acionadas em caso de emergência, mas como parte do que chama de energia de base no `planejamento estratégico´.

As emissões de carbono diminuíram no Brasil nos últimos anos graças, exclusivamente, ao plano de combate ao desmatamento, que iniciamos há quase dez anos, e já dá sinais de esgotamento devido à má gestão, à falta de atenção às demandas da sociedade e dos movimentos socioambientais e aos retrocessos na mudança do Código Florestal.

Em todos os outros setores, a emissão de gases-estufa aumentou. No setor elétrico, atingiu 28 milhões de toneladas no primeiro semestre deste ano, um aumento de 132% em relação ao mesmo período de 2012, que já era maior que a do ano anterior.

No ano que vem, o Brasil sediará uma conferência internacional sobre adaptação às mudanças climáticas e poderá repetir o fiasco da Rio+20, com palavreado evasivo para esconder o retrocesso na prática.

Talvez os psicanalistas expliquem a resistência do governo a todas as alternativas para aproveitar com inteligência os abundantes recursos naturais e redirecionar o desenvolvimento do país para um padrão de baixo carbono, adaptado às novas condições globais.

Uma explicação puramente econômica não resiste à análise. O modelo atual acumula crises, agora com ameaças de retorno da inflação e do desemprego. A opção pelas termelétricas não ajuda nesse contexto, pois é mais cara que a eólica e não aponta para um posicionamento do país em relação às tendências tecnológicas.

Colocado em posição de liderança pela riqueza ambiental e pela diversidade criativa de seu povo, o Brasil recua e se coloca a reboque dos países que mais emitem gases-estufa, entregando-lhes a responsabilidade de encontrar soluções para uma crise que é de todos.

A produção de energia está submetida, hoje, a esse equívoco estratégico. Estamos comprometendo nosso futuro com opções energéticas do passado, em vez de abraçar as oportunidades e potenciais que temos pela frente.”

Marina Silva

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