Cais do Valongo: patrimônio mundial. E agora?
Noticiado, nestes últimos dias, o reconhecimento das área onde se localizou o Cais do Valongo como patrimônio mundial, bem no centro da Região Portuária do Rio de Janeiro. E isso é importantíssimo para a história da Cidade do Rio de Janeiro, e do Brasil, até para nos fazer lembrar da triste memória de tempos turvos da humanidade.
A descoberta do Cais do Valongo foi um acaso que aconteceu no começo das obras na Região Portuária. Não foi fruto de nenhum cuidado com o patrimônio histórico e arqueológico. Porém, a estrutura revelada foi de tal ordem, que foi impossível negá-la ou varrê-la para debaixo do tapete. Ainda bem.
O reconhecimento internacional pela UNESCO deste sítio não permite que nem o órgão nacional de proteção do patrimônio cultural nacional – o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), nem os órgãos estadual (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – INEPAC) e municipal (Instituto Rio Patrimônio da Humanidade – IRPH) se omitam quanto à continuidade do seu processo de proteção e conservação, não só do sítio, como do seu entorno. E a proteção deste sítio é complexa, já que a área foi justamente escolhida para ter um enorme impacto de substituições urbanas, que pouco dão atenção à preservação.
Destaco alguns aspectos urgentes:
1. A área deveria ter um tombamento específico pelo órgão nacional, o que não aconteceu até o momento; inclusive com a delimitação do seu entorno e ambiência de proteção. Pelo fato de ser um sítio arqueológico histórico da maior importância, há dúvidas se a legislação nacional específica de arqueologia oferece a proteção de preservação que o sítio requer. É surpreendente que o sítio tenha sido levado à categoria de patrimônio mundial sem que o mesmo fosse objeto de tombamento à nível nacional.
2. Embora esteja afirmado no texto “Sítio Arqueológico do Cais do Valongo” na página do IPHAN, às fls.9, que “a zona de amortecimento está protegida por legislação federal e municipal de proteção do patrimônio arquitetônico e urbanístico, como também pela lei de proteção do patrimônio arqueológico“, temos dúvidas sobre a real existência destas normas de efetiva proteção. Onde elas estão publicadas? Nada fica claro, o que é surpreendente, para um documento que tem que esclarecer bem a normativa para que haja efetivo controle social que o assunto requer.
3. O terceiro ponto é a gestão. Prometeu-se à UNESCO, no documento acima citado, a num “futuro próximo, . dar continuidade às pesquisas arqueológicas, apontando para a ampliação da janela arqueológica existente;- promover o conhecimento e a difusão sobre o sítio e a coleção, criando um centro de acolhimento turístico e um memorial da celebração da herança africana, a ser instalado no prédio das Docas D. Pedro II; – recuperar, através do tratamento paisagístico, e de sinalização a relação do sítio arqueológico com a Baía da Guanabara”. Contudo, os três órgãos de preservação patrimonial estão à míngua (IPHAN, INEPAC e IRPH). Nenhum deles têm, em seus orçamento, nenhum tostão para este projeto. Aliás, sobre a situação do IRPH – orgão municipal de preservação – noticiou-se, nesta mesma semana, sua situação de orçamento zero!
O surpreendente disto é que, apesar do revelação do Valongo e da sua importância ter sido revelada há mais de seis anos, o governo municipal que propôs o projeto do Porto “Maravilha”, destinou quase R$ 300 milhões (entre obra e manutenção) ao novo “Museu” do Amanhã, e nada ao sítio do passado negro!
Aliás, dos quase R$ 4 bilhões pagos pelo Fundo Imobiliário da Caixa à Prefeitura, via CDURP, e destinado ao Consórcio Porto Novo (Odebrecht, Carioca, e OAS), nada foi destinado ao festejado sítio patrimônio mundial.
Tudo isso é um querer, sem querer… Uma festa, ainda sem compromissos. Mas, compreendendo melhor, há chances de ir mudando.
Confira mais registros dos trabalhos no vídeo abaixo:
Obs: Em 1843, o cais foi reformado para o desembarque da princesa Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias, que viria a se casar com o imperador D. Pedro II. O atracadouro passou então a chamar-se Cais da Imperatriz.
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