DIREITO DOS ESTADOS LEGISLAREM E O STF

Federalismo em questão

1.  Li recentemente a reivindicação de um leitor de um grande jornal acerca da falta de legislação sobre tratamento de presos, assuntos penitenciários e outros correlatos à matéria penal. Li também uma matéria sobre a pouca atuação dos Estados na seara legislativa, apontando que a federalização dos Municípios seria uma das causas da “perda” de competência legislativa dos Estados.

 
2.  Os dois pontos de vista têm relação direta, ao meu ver, com a resistência que se tem visto nos julgamentos do Supremo Tribunal federal (STF) em abrir, com mais generosidade, sua interpretação da Constituição – mais precisamente do art.24 – em favor da competência legislativa concorrente dos Estados, nas matérias ali previstas.
 
3.  Exemplo contrário a isto é a recente decisão do Plenário do STF que julgou inconstitucional lei do Estado de São Paulo que dispõe sobre a vedação de dupla manifestação de membros do Ministério Público nos processos que lhe são enviados. O dispositivo impugnado era o de uma lei complementar; portanto, lei votada e aprovada com quorum qualificado pela Assembleia Legislativa paulista e, certamente, com o amplo interesse institucional do MP estadual. A ação de inconstitucionalidade no STF foi proposta pela OAB. E o resultado foi que, afora alguns dispositivos da lei estadual que apenas trocavam o nome de órgãos, o dispositivo que dispunha sobre algo mais substantivo foi dado como inconstitucional.
 
Por reputar caracterizada a usurpação da competência privativa da União para legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I) o Plenário, em votação majoritária, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil para declarar a inconstitucionalidade do art. 114 da Lei Complementar paulista 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público estadual). O dispositivo adversado determina que mais de um órgão do Ministério Público não oficiará simultaneamente no mesmo processo ou procedimento”. (ADI 932/SP)
 
4.  O ponto nodal desta questão, como de outras similares, é o de dar conteúdo interpretativo claro a alguns termos empregados no art.24 da Constituição Federal. No caso, o constituinte de 88, inovando em relação à Constituição anterior, a de 1967, facultou aos Estados legislarem sobre “procedimento em matéria processual” (inciso IX do art.24). Ao mesmo tempo, no art.22, I diz que cabe à União legislar privativamente sobre “direito processual”. Sutil, não?
O debate, entre os doutos, para distinguir entre um e outro, é infindável. E, a se considerar que a decisão no STF foi por maioria de votos, podemos deduzir que só se pode resolver a questão na base da contabilidade, e não a partir de fundamentos logicamente dedutíveis.
 
5. Mas, se fôssemos aplicar, na interpretação da lei, o princípio federativo, não seria pertinente resolver, na dúvida, sempre a favor da premissa da descentralização preconizada pelo art. 24 da Constituição de 1988?
 
6. Volto aqui às lições de nossa História, contada pelo Prof. J.M. de Carvalho, ao analisar momentos do final do Império, quando a questão federativa definitivamente não se identificava, necessariamente, com a mudança do regime imperial para o republicano:
 
A resistência ao federalismo estava, no entanto, arraigada na cabeça dos políticos mais antigos, que ainda julgavam ser a centralização necessária para se manter a unidade do país. Todos percebiam também que a federação iria reduzir drasticamente o poder da elite nacional” (D.Pedro II, perfis brasileiros, p.206)
 
Menos unitarismo, mais federalismo – em todos, e por todos os Poderes: executivo, legislativo, e também nas interpretações do Judiciário!

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