Mudanças na Marina da Glória são criticadas
Matéria publicada no jornal “O Globo” – Especialistas dizem que proposta da EBX com 1.500 vagas para carros, que recebeu aprovação do Iphan, prejudica Aterro
12.12.2011 – Fábio Vasconcellos / Simone Avellar
O projeto de ampliação da Marina da Glória, proposto pelo Grupo EBX, do empresário Eike Batista, ainda não saiu do papel, mas já suscita uma série de críticas. A principal delas é com relação à construção de uma garagem subterrânea para 1.500 veículos, além da altura do empreendimento, que poderá chegar a 15 metros. Mas há também questionamentos ao processo de aprovação do anteprojeto pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Em sua coluna de ontem, no GLOBO, o jornalista Élio Gas-pari observou que o conselho consultivo do órgão aprovou, em Brasília, apenas o projeto conceituai e que, ao ser cobrado pelo Ministério Público Federal, o instituto não tinha sequer a ata da reunião. 0 Iphan também não abriu processo administrativo que poderia levar a proposta a ser analisada pelo corpo técnico do instituto. O jornalista também pôs em dúvida a existência do concurso internacional que, conforme anunciado pela EBX, analisou 33 projetos antes de escolher o sugerido pelo arquiteto índio da Costa.
Empreendimento terá 44 mil metros quadrados
Num documento que circula pela internet, a arquiteta Cláudia Girão, que trabalha no Iphan, analisou a proposta da EBX e fez severas críticas ao empreendimento. Segundo ela, a área total construída será de 44,9 mil metros quadrados, dez vezes maior do que o projeto de 1965, que faz parte do plano original do Parque do Flamengo. Cláudia afirmou que o projeto da EBX prevê a criação total de 2.427 vagas e não apenas 1.500. Este seria apenas o número que ficaria no subsolo. A arquiteta ressalta ainda que p projeto da EBX, caso seja levado adiante, obstruirá a visão do Morro Cara de Cão, na Urca.
Na página 26 do documento, Claudia diz que “além de o anteprojeto modificar traçados originais, as atividades propostas num espaço tão grande consolidariam e agravariam uma mudança radical no uso e fruição neste trecho do Parque do Flamengo”. Na avaliação da arquiteta, “é fácil constatar que, da mesma maneira que nos anteprojetos anteriores, o programa do anteprojeto não é de revitalização de uma marina, mas de expansão de um complexo de negócios”.
Para Nireu Cavalcanti, arquiteto e historiador, a execução do projeto da EBX fere o princípio do tombamento do parque, que inclui a manutenção do seu desenho original. Cavalcanti ressaltou que até mesmo a construção de garagem subterrânea contraria a preservação do lugar:
— É a mesma coisa de uma área residencial que só permite prédios de três andares. Sendo assim, a pessoa constrói um de 23, sendo que 20 andares embutidos no subsolo e só três aparecendo. Não faz o menor sentido. Quando damos um parecer não é contra a pessoa. A gente vê se fere os estatutos do tombamento. E, no caso do Aterro, realmente o tombamento é total.
A conclusão é parecida com a do arquiteto Cláudio Lima Carlos, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU), do Instituto de Tecnologia da Universidade Federal Rural do Rio. Ele afirmou que a proposta de ampliação da Marina da Glória pode ser um retrocesso:
— Ao idealizar o Aterro, o urbanista Affonso Eduardo Reidy projetou a Marina da Glória para que o homem comum tivesse a oportunidade de ter um barco de lazer e usufruir do lugar. Ele o pensou uma área pública e querem transformá-lo num lugar privativo, excludente socialmente. Isso é um retrocesso.
O ex-superintendente do Iphan no Rio, Carlos Fernando Andrade, que conduziu o processo de aprovação do anteprojeto para a Marina da Glória, explicou ontem que “o que houve até agora foram consultas internas no âmbito da superintendência, da presidência e do conselho consultivo do Iphan”. Ele ressaltou que o instituto ainda não analisou, de fato, o projeto executivo, e que isso só poderá ser feito quando a EBX apresentar os detalhes do empreendimento. Andrade admitiu que foi usado de forma coloquial a palavra “projeto” para se referir à proposta da EBX.
— Na verdade, o que estava sendo apresentado, o ano passado, era um estudo preliminar. Então, eu utilizei um processo de 2008, de uma proposta da RioTur, juntei tudo e enviei para a previdência do Iphan em Brasília. Finalmente, numa reunião do Iphan que eu não sei precisar a data, a proposta foi considerada boa, o que significa que a superintendência poderá vir a examinar o projeto.— disse Andrade, acrescentando que ainda não há ata de reunião do conselho porque ela só é apresentada a cada quatro meses.
Empresa diz que atendeu a todas as exigências
Em nota, o Grupo EBX se limitou a dizer que cumpriu todos os procedimentos exigidos para levar a proposta à análise do Iphan. De acordo com a empresa, o anteprojeto recebeu “uma avaliação positiva quanto à sua qualidade arquitetônica e aos seus impactos. A partir disso, o anteprojeto segue sua trajetória de aprovações que ainda devem ser concluídas no Iphan e demais órgãos públicos”.
Lançado em 2010, o projeto da EBX para a Marina tem previsão de início das obras para 2012 e conclusão para 2014. O custo total é de cerca de R$ 220 milhões. Além de um novo estacionamento, a proposta prevê a construção de um restaurante, um centro cultural e um mirante avançado sobre o mar. O número de vagas para barcos chegará a 850, o dobro da capacidade atual.