O prédio do Capanema no Rio, e o “mais Brasil, menos Brasília”
A colocação à venda, no feirão de imóveis da União, do simbólico prédio modernista chamado Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, suscitou inúmeras manifestações prós e contras da sociedade, de especialistas e de agentes do Governo.
O assunto é instigante e, a meu juízo, pode ser debatido por vários ângulos. Um deles seria se o poder público, ao colocar à venda determinados imóveis, deixou de considerar um possível projeto de descompressão de atividades funcionais na capital federal, para descentralizá-las por todo o Brasil ? Traduzindo nas palavras e promessa do presidente Bolsonaro: aplicar de fato a proposta “mais Brasil, menos Brasília”?
Quando falamos de descompressão de atividades funcionais em Brasília, estamos falando de órgãos ou entidades que podem e até, eventualmente, devem funcionar fora da Capital Federal. E por quê?
Brasília é atualmente uma cidade com uma enorme pressão demográfica, e continuará sendo, sem que o seu planejamento territorial possa dar conta do crescimento exponencial que teve e tem. E é fora de questionamento que Brasília tem que, obrigatoriamente, abrigar a sede dos três Poderes e dos órgãos que lhe são imediatamente afetos: no âmbito do Poder Executivo à Administração Direta, aí compreendido todos os Ministérios e suas Secretarias; no âmbito do Legislativo, todo o Congresso Nacional (Câmara e Senado), e o Tribunal de Contas da União; no âmbito do Judiciário, todos os Tribunais Superiores, seja o Supremo Tribunal Federal, sejam os Tribunais Superiores de Justiça, Militar e Trabalhista.
Além disso, Brasília abriga também toda a administração do Distrito Federal, o seu legislativo distrital e mais o Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Enfim, a cidade é abarrotada de órgãos federais e distritais que, quase que obrigatoriamente, devem funcionar na cidade.
O abarrotamento dos órgãos acima mencionados causa na cidade dois tipos de pressão importantes: no preço dos imóveis e da moradia, com uma expansão urbana desordenada, e também pressão sobre os salários em geral na cidade, pois, como sabemos, os salários pagos pelo Congresso e pelos Tribunais são majestosos, fora de qualquer competição no mercado comum. Como consequência, órgãos e entidades que se encontram fora deste escopo essencial de funcionamento necessário em Brasília não deveriam estar ou funcionar lá, pois suas eficiências tendem a estar comprometidas por falta de recursos humanos adequados.
E por qual motivo entidades descentralizadas poderiam e até deveriam funcionar em outras cidades que não Brasília?
Dois argumentos são principais para fundamentar esta proposta:
1º Para um órgão ou entidade de um serviço ou atividade pública especializada funcionar em uma cidade, ela precisa ter neste local uma sinergia geral de produção de conhecimento e, consequentemente, de mão de obra disponível para criar um mercado específico de trocas de ideias, e uma disponibilidade para este mercado de trabalho. Um bom exemplo é a sede da Petrobras e do BNDES, no Rio. Ambas são empresas estatais federais que funcionam e criam um mercado de ideias e trabalho importante não só para a cidade, mas também para uma farta retroalimentação de recursos humanos dessas empresas. Ambas não precisam estar em Brasília para o bom funcionamento. Aliás, seria um desastre para o mercado de trabalho não só dessas empresas, como para a pressão urbana em Brasília, se fosse considerada uma mudança destas empresas para lá. Outro exemplo, a Academia Militar de Agulhas Negras – a AMAN, que é a Escola Nacional de Formação de Oficiais do Exército Brasileiro, ligado diretamente ao Ministério da Defesa; seria este um motivo suficiente para pensar na sua transferência para Brasília? Ninguém cogita em tal hipótese que, por certo, acarretaria um desmantelamento não só de todo o complexo funcional da AMAN, mas também um desmantelamento para Resende (RJ) – município que a abriga -, e também para Brasília, que teria que suportar mais esta pressão urbanística. E a AMAN funciona pior por estar em Resende? Claro que não!
O 2º argumento, para reforçar o primeiro, é que com a pandemia aprendemos que hoje tudo pode funcionar perfeitamente à distância. Podemos nos reunir por salas virtuais a qualquer hora, para tudo, e de forma mais organizada. Todos estamos em todo lugar, com muito mais facilidades e menos viagens. E todos os processos e documentos podem e devem estar na “nuvem”, com acesso virtual ilimitado. Então, a base física de localização foi quase que totalmente secundarizada.
Não estamos cogitando somente exemplos de entidades que funcionam no Rio por herança desta cidade ter sido por mais de três séculos capital do Estado Brasileiro. Podemos exemplificar com outras entidades especializadas que poderiam funcionar perfeitamente bem, ou melhor, fora de Brasília. Por que a sede da Embrapa não poderia ser em Palmas, no Tocantins, assim como a Embraer sempre funcionou magnificamente bem em Campos do Jordão? Banco do Brasil, Caixa Econômica, Correios, a CAPES, o INEP, o IPEA, CONAB e toda e qualquer entidade da administração indireta poderia ser espalhada pelas cidades brasileiras: Salvador, São Paulo, Belo Horizonte, Cuiabá, Manaus, São Luís, entre outras, criando sinergias e capacitações específicas nestas cidades. Bom para estas cidades, bom para o Brasil! E é, na prática, mais Brasil, menos Brasília!
Mas, enfim, e o Capanema?
Bem, no Capanema já funcionam entidades federais de peso: boa parte do atendimento da Biblioteca Nacional (divisão de música e biblioteca Euclides da Cunha), parte substantiva do do IPHAN, do IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus), da Fundação Cultural Palmares, da Funarte, e outros órgãos. O prédio Capanema não está desocupado, nem vazio. Ao contrário; estas entidades saíram de lá, apenas provisoriamente, para finalizar as obras físicas que a morosidade, a falta de eficiência ou dinheiro impossibilitou de serem concluídas. (vejam o documento ao final do texto que é um estudo de sua ocupação).*
Então, a menos que a atual administração federal pretenda fazer o caminho inverso do lema “mais Brasil, menos Brasília”, não se pode pensar em vender um prédio ocupado por serviços públicos federais!
E, para concluir, resta juntar o óbvio. Para o Capanema, a aplicação do lema “mais Brasil, menos Brasília” não deve ser só para o retorno das atividades que lá funcionavam, e que estão em outros locais do Rio pagando aluguel; a melhor proposta para o governo federal – dentro deste seu lema – é trazer de volta para o Rio, a sede da FUNARTE, do IPHAN, do IBRAM e da ANCINE, seus lugares de origem e de sinergia de recursos humanos. Descomprime Brasília e aumenta o funcionamento sinérgico destes órgãos nesta cidade, que lhe oferece farta mão de obra específica nestes campos de atuação, além de ser maravilhoso para o Rio.
Seria eficiente e eficaz, sem precisar inventar a roda de rediscutir para o Rio ou para qualquer outra cidade brasileira, a volta ou a relocalização de uma segunda capital federal fora de Brasília. Ou não?
Confira ainda:
O artigo “O pré-sal da Cultura no Rio de Janeiro”, publicado em 2009 (!), destacava já naquela época uma malversada tentativa de descartar o Capanema. Foi quando se produziu o documento de uso do imóvel.*
“Há mais de uma década o Governo Federal, sob o pretexto do Ministério da Cultura funcionar em Brasília, impõe um esvaziamento de suas entidades da administração indireta no Rio de Janeiro, especialmente do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Esforça-se, mas não consegue.
O resultado é o esgarçamento institucional, e a morte lenta de uma instituição que contribuiu decisivamente para a construção da identidade nacional, especialmente através dos seus servidores permanentes que trabalham por uma política cultural de Estado”. (Leia mais)