Os cargos em comissão podem não ser de nomeação tão livre assim…
Será que o chefe do Executivo pode nomear livremente os cargos em comissão na Administração Pública?
Desde logo é fundamental apresentar o artigo da Constituição Federal que dispõe sobre o assunto:
“art. 37: (…)
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;”
Vira e mexe este assunto vem à baila. Agora, sob questionamento intenso, a legalidade da substituição dos cargos em comissão de Diretor da Polícia Federal e do Superintendente da PF no Estado do Rio de Janeiro pelo presidente da República.
Afinal, por que a substituição não poderia ser livremente feita?
a) Por que só o ministro poderia nomear ou destituir alguém neste cargo?
b) Por que o presidente fez uma promessa ao então ministro da Justiça e não estaria cumprindo com a sua palavra?
c) Por que o presidente falou demais e induziu ao pressuposto de que o interesse era privado, e não o interesse público, estaria a justificar a nomeação?
Resposta correta, a letra C.
Sim, conforme a literalidade do inciso II do artigo 37 acima mencionado, cabe ao chefe do Executivo escolher e nomear, livremente, todos os cargos em comissão no âmbito da Administração Pública, diretamente, ou por quem receba dele a delegação formal de fazê-lo. As promessas feitas de nada adiantam, sob o ponto de vista de cobrança jurídica. Valem somente para a honrar a ética entre as partes.
Mas a pergunta que não quer se calar é se o chefe o Executivo Federal não fosse um falastrão, poderia ele, na mudez, e sem motivação explicitada formalmente, nomear quem lhe aprouver, sem que isto lhe custasse o controle pelo Poder Judiciário? Ao que parece, pelos precedentes judiciários, a resposta é sim. Embora isto também não atenda ao interesse público.
Dois casos ilustram minha afirmativa acima: o caso em que o STF cassou a nomeação de Lula, pela ex-presidente Dilma (MS 34.070 DF Rel. Min.Gilmar Mendes), e a atual cassação da nomeação, pelo Presidente Bolsonaro, do Del. Ramagem (MS 37.94 DF Rel. Min. Alexandre de Moraes).
Desvio de finalidade – Em ambos os casos, o fundamento da decisão foi o desvio de finalidade das nomeações, direcionadas ao atendimento dos interesses outros – supostamente privados -, que não o do interesse público. E, em ambos, as conclusões dos magistrados foram tomadas (monocraticamente) em função de declarações orais dos chefes do Executivo, obtidas fora dos atos formais de nomeação. Ou seja, foram inferidas, por suporem que, face às falas, a intenção era outra.
Mas e quando não há falas precipitadas ou não captadas? Quando são feitas nomeações de agentes políticos que podem não atender eficientemente, por incapacidade ou inexperiência profissional, o interesse público? Então nada pode ser feito?
Parece que o sentido das mais recentes decisões do STF só podem apontar para uma direção; a de que as nomeações de cargos em comissão já não são mais tão livres assim. Que os princípios da razoabilidade (moralidade), eficiência, publicidade e impessoalidade inscritos no caput do artigo 37 da Constituição* condicionam todos os atos praticados pelos Poderes constituídos. Logo, ratifica-se, o livre não é tão livre assim.
E, como todos os atos são suscetíveis de controle social e, decorrentemente, jurisdicional, é fundamental que um mínimo de explicitação das razões de decidir sejam declaradas. Afinal, o controle não pode se restringir só aos falastrões, deixando os “moitas” fazerem o que lhes der na telha.
Recentemente, assistimos à várias nomeações e exonerações de cargos públicos em comissão que causam perplexidade à sociedade por não conseguirmos enxergar qualquer capacitação do escolhido para o cargo ao qual está sendo nomeado. Já escrevemos sobre isso no último blog.
Nesta semana, mais uma nomeação completamente fora de contexto, dizendo-se coloquialmente. A nomeação de uma nova presidente do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – por uma cidadã que não tem qualquer experiência na área.
Juridicamente, e seguindo a linha de interpretação que o STF tem dado ao assunto, podemos dizer que tais nomeações também configurariam desvio de finalidade, já que a formação e a experiência do nomeado induz, não por simples palavras, mas por fatos curriculares e profissionais, que estas não estão aptas a atender, com eficiência plausível, ao interesse público institucional.
O sistema jurídico tem que ser, acima de tudo, coerente. Por isso, é que entendo haver desvio de finalidade no caso de nomeações de agentes políticos e públicos para cargos de confiança, não só quando fundadas em declarações e palavras (quando há), mas também quando essas nomeações são de pessoas com qualificação profissional inadequadas para o desempenho do cargo. Ignorar a qualificação profissional insuficiente atenderia aos princípios constitucionais da razoabilidade? Da eficiência? Da impessoalidade?
Já passou da hora de se exigir, em função do princípio constitucional da publicidade, que a nomeação de agentes públicos para cargos em comissão, ainda que de livre escolha, tenham que ter explícito os motivos que justificam estas nomeações. Só assim o controle social poderá ser exercido pela sociedade, através do Poder Judiciário.
Vejam nos links:
- Extratos escolhidos por mim do voto do Min. Gilmar Mendes no caso Lula
- Extratos escolhidos por mim do voto do Min. Alexandre de Moraes no caso Ramagem, na PF
- Carta do MPF pedindo informações sobre as nomeações de cargos no IPHAN.
- Ofício do MPF pedindo informações sobre a nomeação da presidente do IPHAN
- Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil repudia nomeação de nova diretora do Iphan
- Escolha de amiga dos Bolsonaros para presidência do Iphan revolta conselheiros do instituto
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)
Muito bom. Claro e bem argunentado.