Saída de Moro e a importância da preservação das instituições: um caso ou inúmeros ?
Hoje o Brasil está pasmo; o impávido Sergio Moro, símbolo do combate à corrupção, se demite do Ministério da Justiça por não concordar com a interferência de escolha política para nomeação de diretor e superintendentes em um dos órgãos sob seu comando, a poderosa Polícia Federal. E o que isso tem de surpreendente se ao longo dos últimos meses houve notícias de substituições político-religiosas em outros órgãos?
Vejamos rapidamente três casos:
1º No dia 17 de abril o Ministro do Turismo nomeou uma blogueira turismóloga, sem formação técnica específica, para o cargo de coordenador técnico na área de Patrimônio Cultural da Superintendência do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) no Rio de Janeiro.
2º No dia 14 de abril foi noticiado que o Ministro do Meio Ambiente demitiu o Diretor de Fiscalização do IBAMA. “Funcionários do Ibama ouvidos sob a condição de anonimato afirmam que a demissão de Olivaldi, que era homem de confiança de Salles, ocorreu por ele não ter conseguido “segurar” o setor de fiscalização do órgão“, que teria feito uma megaoperação contra mineradores clandestinos em terras indígenas dois dias antes.
3º Em 14 de outubro de 2019 foi noticiado que um importante especialista e coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Diretoria de Proteção Territorial da Funai foi demitido. Segundo a notícia, “desde a nomeação do delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier, em 19 de julho deste ano [2019], para a presidência da Funai, a entidade tem enfrentado uma crise. Dos 15 coordenadores do órgão, 12 foram trocados”. (…) “Ele está colocando gente sem qualquer experiência na área, que nunca viu um índio na vida, a começar pelo presidente. O nível interno de debate despencou. Lá dentro, quem sabe o que está fazendo e tem alguns anos na Funai, está desesperado, não há como influenciar quem chegou agora e está agindo contra os indígenas”. (…) Um exemplo ocorreu no dia 3 de setembro deste ano, quando o ministro da Justiça Sergio Moro nomeou para a Diretoria de Proteção Territorial da Funai Silmara Veiga de Souza, que já atuou como advogada contra o povo Ka’aguy Hovy em uma contestação na cidade de Iguape, no litoral de São Paulo. A pasta que ela coordena é responsável por demarcar terras indígenas.”
Então, qual é a surpresa?
Talvez haja um pensamento geral de que o que acontece de interferência política, de nomeações não técnicas e de pessoas não qualificadas para os cargos na Polícia Federal seja mais importante do que as nomeações desqualificadas no IPHAN, no IBAMA, na FUNAI.
Mas não é ! Tudo faz parte do quadro geral, que aliás sempre aconteceu. A diferença agora é que haveria a promessa da “nova”política, para quem acreditou na história da carochinha, de não aparelhar os órgãos do governo.
O mal funcionamento dos serviços públicos não são só devido à corrupção. A corrupção é o último bastião da ineficiência e da imoralidade administrativa. Mas a corrupção não começa do nada…
Começa exatamente pela tolerância nos pequenos e médios deslizes, a complacência com o mal uso da máquina pública por políticas caseiras supostamente inofensivas, de valores personalíssimos, e a permissividade com as interferências não técnicas nos órgãos de governo. Não importa se é Polícia Federal, Funai, BNDES, IPHAN, CVM, IBAMA, Banco Central, Fiocruz, Universidades, entre tantos.
É uma questão de princípio, isto, se quisermos, de fato, serviços públicos que funcionem em todas as áreas. Se todas são governo, todas são estado. São todas igualmente importantes.
A Constituição Federal de 1988 deu um passo importante quando em seu art.37 II dispôs que os cargos efetivos da Administração Pública seriam acessíveis mediante concurso público. Ressalvou, por óbvio, os cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração.
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Então, o que aconteceu desde então? Os cargos em comissão proliferaram, aos milhares; todos aprovados por lei. São exatamente estes que são o objeto de desejo dos políticos. A solução é simples. Basta ter pouquíssimos cargos em comissão, relacionando-os com o número de efetivos.
Muitas carreiras são assim. As carreiras militares são as primeiras a dar o exemplo, bem como as do Itamaraty, as do Ministério Público, as da Defensoria, as da Magistratura; algumas instituições como o Banco Central, CVM (Comissão de Valores Mobiliários) conseguem segurar a “onda” de eventual permeabilidade política nos seus quadros. E todas essas, acabam por funcionar melhor. A própria lei que regula a Polícia Federal (lei13.047/2014, sancionada pela presidente Dilma) se resguarda bastante, dizendo que os cargo de Diretor Geral e demais cargos são privativos de delegados de carreira*. Imagina se nem dissesse isto. E as outras instituições públicas que não tiveram esta previsão? Ficam ao “deus dará”…
A Constituição Federal de 1988 bem que tentou conter esta facilidade de nomeações ao dispor, em seu inciso V do artigo 37 que diz:
V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
Mas, este propósito ficou só nas intenções, já que passados mais de 42 anos o Parlamento ainda não achou tempo ou conveniência para fazer a referida lei limitadora das nomeações de cargos em comissão.
Será que agora vai? Por que não incluir isso, a sério, na tão propagada reforma administrativa?
Lei nº 13.047, de 2 de dezembro 2014
“ Art. 2º-A. A Polícia Federal, órgão permanente de Estado, organizado e mantido pela União, para o exercício de suas competências previstas no § 1º do art. 144 da Constituição Federal, fundada na hierarquia e disciplina, é integrante da estrutura básica do Ministério da Justiça.
Parágrafo único . Os ocupantes do cargo de Delegado de Polícia Federal, autoridades policiais no âmbito da polícia judiciária da União, são responsáveis pela direção das atividades do órgão e exercem função de natureza jurídica e policial, essencial e exclusiva de Estado.”
“ Art. 2º-B. O ingresso no cargo de Delegado de Polícia Federal, realizado mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, é privativo de bacharel em Direito e exige 3 (três) anos de atividade jurídica ou policial, comprovados no ato de posse.”
“ Art. 2º-C. O cargo de Diretor-Geral, nomeado pelo Presidente da República, é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial. ”
“ Art. 2º-D. Os ocupantes do cargo de Perito Criminal Federal são responsáveis pela direção das atividades periciais do órgão.
Parágrafo único. É assegurada aos ocupantes do cargo de Perito Criminal Federal autonomia técnica e científica no exercício de suas atividades periciais, e o ingresso no cargo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, exigida formação superior e específica.”
Excelente análise. A crise é séria e ampla. Corona vírus esquecida e a desfaçatez presidencial enorme. Abs
Obrigada, querida Regina
Ótima análise Sônia!
Sem dúvida! O bom funcionamento dos órgãos públicos é uma questão de princípio!!!