O post de hoje é um resumo de recortes dos jornais Correio da Manhã, Diário de Notícias e Jornal do Brasil entre os anos de 1965 e 1971 acerca das várias tentativas, nem todas lícitas, de se vender o Morro do Pasmado para um grupo hoteleiro, mais especificamente o Hilton. Este estudo singelo me ajudou a proferir as breves palavras no sábado passado na manifestação contra a cessão ilegal do Mirante para uma nebulosa associação.
No início dos anos 60 o Hilton tentou construir seu prédio na Chácara do Céu, possivelmente onde hoje está o Sheraton (aliás acredito o projeto ser o mesmo) mas algo deu errado.
Em novembro de 1964, com grande parte da favela já removida o EGB publicava um edital chamando os proprietários dos terrenos antes invadidos para tomarem conhecimento da expropriação de todo o morro e para negociar uma indenização amigável. Já em Fevereiro notinhas informavam que o morro seria ajardinado, porém no meio do mês é publicado mais um edital, dessa vez para a venda de toda a área.
Logo depois o discreto JB mencionava que o grupo Hilton tinha tudo para ganhar a licitação, como aliás ocorreu.
Os jornais anunciavam pouco depois com grande estardalhaço que o Hilton seria o grupo hoteleiro que construiria o gigantesco hotel, com mais de 300 apartamentos.
As cifras eram astronômicas, o morro foi comprado por 8 milhões de dólares, um numerário muito vultoso para 1965!
A euforia era geral, o prédio estaria pronto em menos de 2 anos, com forma de pirâmide e projetado por Henrique Midlin, o arquiteto da Nova Guanabara, com projetos como o BEG, Ed. Avenida Central, Shopping Center de Copacabana, Shopping do Méier e inúmeros prédios de apartamentos que subiam no período.
Porém parece que a notícia chegou nos EUA, juntamente com um zum-zum-zum nos gabinetes do governo e da câmara legislativa da Guanabara que havia algo estranho no processo ( más línguas dizem que era Lotta que propagava as suspeitas), e rapidamente a rede Hilton desmentiu sua operação no Brasil.
A notícia caiu como uma bomba, afinal quem ganhou a licitação, ela existiu de fato? Rapidamente o arrematante um empresa chamada SERVITEC, que já possuía o hotel do Aeroporto do Galeão, veio aos jornais afirmando que seria ela que construiria o hotel, e era “parceira” da rede Hilton, porém o dono da SERVITEC era representante da rede Hilton no Brasil, enfim, jeito de representação cítrica, ainda mais pelos valores envolvidos.
As suspeitas aumentavam, questionou-se se havia lei específica para vender propriedade do povo, e se a licitação foi transparente, quando outra bomba apareceu, a então secretária Sandra Cavalcanti tinha vendido à SERVITEC o morro inteiro antes da licitação se encerrar, logicamente cometendo crime contra a administração.
Com essa bomba foi inciada uma CPI na câmara para se apurar as responsabilidades.
Curiosamente os argumentos são os mesmos de hoje, não importando o teor da fraude a legislação e possivelmente ao erário, o blá-blá-blá para engabelar a população menos informada.
Logicamente com todo o escândalo a licitação e também a venda irregular foram anuladas e o morro ficou vazio novamente e enquanto o Estado da Guanabara brigava na justiça com os poucos proprietários que não fizeram acordo em 1964 e decidia o que fazer com o morro, o mesmo começou a ser invadido de novo.
Em 1969 uma notinha na Coluna de Zózimo no JB chamava a atenção, que o EGB pretendia novamente vender o morro para um grupo hoteleiro.
A licitação foi posta na rua, depois de um adiamento, mas a presença da SERVITEC novamente como uma das que retirou o edital fez que o mesmo fracassasse tendo nenhum interessado aparecido. Mesmo com o EGB tendo dilatado o prazo para a concretização dos lances.
Resolve-se então ajardinar o morro, uma licitação é posta na rua em 1969.
Porém logo após o edital de reflorestamento for para rua no final de 1969 no início de 1970 nova tentativa de se fazer uma licitação, mas os ecos preservacionistas já manifestavam, questionava-se se um gigantesco hotel, maculando a paisagem da Enseada seria o certo.
A licitação foi realizada, porém, adivinhem quem ganhou novamente???
Novamente suspeitas forma levantadas, falava-se que a SERVITEC foi favorecida com um edital que lhe era querido, o deputado Nina Ribeiro subiu nas tribunas da ALEG e acusou Augusto Vilas-Boas presidente da COHAB de fraude contra o erário, isto disparou uma grave crise dentro do governo Negrão de Lima, neste tiroteio o presidente da COHAB foi forçado a renunciar no meio de mais uma CPI e uma ação judicial envolvendo ele e o deputado Nina Ribeiro.
Novamente a licitação é cancelada, Negrão de Lima enfurecido começa a pensar seriamente em não mais vender o morro, notícias de preservação, tombamento e a execução do mirante começam a ser ventiladas, a comissão criada pelo arquiteto Jorge Machado Moreira estava instalada e fazendo reuniões, onde a preservação do morro era considerada a melhor opção.
Mas mais uma vez a COHAB contrariando Negrão , com a crise ainda morna e a discussão sobre a preservação do local lança novo edital na praça.
Negrão se enfureceu de vez e tirou da COHAB qualquer gerencia sobre o terreno do Pasmado e cancelou a licitação, a ideia de se reflorestar toda a encosta ganhava força e um edital para ajardinamento novamente é lançado.
No nosso próximo post, falaremos sobre a montagem do mirante e reflorestamento do morro, já no final do governo Negrão de Lima e início do Chagas Freitas, bem como após a fusão.
A AMAB – ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DE BOTAFOGO criou um abaixo-assinado para quem quiser se manifestar contrariamente à decisão do alcaide, com foco exclusivo na defesa da paisagem. Já conta com mais de 9 mil assinaturas.
Leia mais:
Rio. Pasmado. Cessão ilegal de área pública. Descumprimento frontal à Lei Orgânica da Cidade
Rio: Mirante do Pasmado – um totem de irregularidades… Parte 1: no IPHAN
Rio e o “nosso” Mirante do Pasmado: por que cedê-lo a uma associação privada por 30 anos?
Morro e Mirante do Pasmado no caminho da proteção da Paisagem Cultural Mundial
Poluição visual ameaça Paisagem Cultural Mundial do Rio no Morro/Mirante do Pasmado
O Conselho Consultivo do IPHAN: mais do que simples competências formais. Legitimidade é a questão